The dead Summit


Estás naturalmente desculpado, Paddy. Só te pedimos é que no próximo ano, em vez da Night Summit, que ocupa os bares de Lisboa, organizes mas é uma “Dead Summit” que abranja não só o Panteão, mas todos os cemitérios da capital. É que toda a gente sabe que as startups morrem tão rapidamente quanto nascem,…


Não há nada mais ridículo do que o absoluto deslumbramento que Portugal tem pelo simples facto de ser organizado um qualquer evento no seu território. Só isso explica o fascínio parolo pela Web Summit, um encontro dedicado às novas tecnologias que já vai em nove edições e que está prometido que acampará em Lisboa entre 2016 e 2018, para enorme alegria dos nossos governantes e para grande incómodo dos habitantes da cidade. 

É que o evento poderia ser apenas uma ocasião para debates e conferências com os nerds do ramo. Mas é muito mais do que isso, uma vez que, como nos explicam na página oficial do evento, a Web Summit não constitui uma simples conferência das 9 às 5 (horário já de si excessivo), dado que inclui uma “Night Summit”. Essa Night Summit é considerada o melhor do “Web’s Summit Networking” e ocorre “after hours, in bars across Lisbon”. É-nos mesmo prometido que a “Night Summit will take over the city”, ocupando designadamente 120 bares na zona do “Bairro Alto & Principal Real” (sic).
Só podemos, naturalmente, mostrar compreensão por este takeover aos bares de Lisboa, uma vez que o mesmo é seguramente essencial para o tal networking. Na verdade, depois de Al Gore aparecer na Web Summit a querer recrutar a audiência para combater a crise ambiental, a melhor resposta da audiência é ir beber um copo ao bar, até porque os efeitos da seca continuam a fazer-se sentir, com este tempo de Verão em Novembro.

Da mesma forma, os inúmeros estrangeiros nativos de inglês que aqui vieram tiveram seguramente necessidade de ir beber um copo ao bar para recuperar do choque que foi ver a forma como António Costa assassinava o seu idioma materno. E que dizer do agradecimento de Marcelo pela “revolução científica e tecnológica” protagonizada pelos organizadores da conferência? Nada melhor que, a seguir, ir beber um copo ao bar, uma vez que, apesar da “revolução científica e tecnológica”, ainda não se conseguiu criar bares virtuais. Nada melhor, por isso, do que os bares de Lisboa para se fazer um networking a sério. 

É assim que, no âmbito deste takeover à cidade, alguém se lembrou que seria seguramente muito cosy e trendy organizar um jantar no Panteão Nacional. E, de facto, o lugar mostrou ser excelente para o efeito, pelo que até se deveria defender a sua transformação definitiva em restaurante. A Igreja de Santa Engrácia, que levou mais de 300 anos a construir, é um verdadeiro símbolo do atraso de Portugal e da forma lenta como fazemos as coisas, pelo que, se fosse transformada num restaurante, seria mais um exemplo positivo de uma startup e até poderia ganhar o prémio da Web Summit para essa categoria.

Estranhamente, depois de a autorização ter sido concedida e todos terem jantado com imenso apetite no local, voltou à superfície o espírito retrógrado português e apareceu uma indignação geral com este uso do Panteão por parte dos mesmos políticos que tinham acolhido com tanto carinho a cimeira e que até já tinham usado o Panteão para o mesmo fim. Mas o assunto ficou resolvido, com a culpa a ser naturalmente atribuída ao governo de Passos Coelho, que já se sabe ser o responsável por tudo o que acontece de errado em Portugal em 2017, desde os fogos à legionela, passando, naturalmente, pelos usos do Panteão. 

Só que, apesar da responsabilidade evidente do governo de Passos Coelho, o Paddy Cosgrave resolveu pedir desculpa, explicando que é irlandês e que na Irlanda celebram a morte de forma diferente de Portugal. É seguramente verdade, até devido ao seu apelido. Estás naturalmente desculpado, Paddy. Só te pedimos é que no próximo ano, em vez da Night Summit, que ocupa os bares de Lisboa, organizes mas é uma “Dead Summit” que abranja não só o Panteão, mas todos os cemitérios da capital. É que toda a gente sabe que as startups morrem tão rapidamente quanto nascem, pelo que os cemitérios são o local ideal para albergar esta cimeira.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


The dead Summit


Estás naturalmente desculpado, Paddy. Só te pedimos é que no próximo ano, em vez da Night Summit, que ocupa os bares de Lisboa, organizes mas é uma “Dead Summit” que abranja não só o Panteão, mas todos os cemitérios da capital. É que toda a gente sabe que as startups morrem tão rapidamente quanto nascem,…


Não há nada mais ridículo do que o absoluto deslumbramento que Portugal tem pelo simples facto de ser organizado um qualquer evento no seu território. Só isso explica o fascínio parolo pela Web Summit, um encontro dedicado às novas tecnologias que já vai em nove edições e que está prometido que acampará em Lisboa entre 2016 e 2018, para enorme alegria dos nossos governantes e para grande incómodo dos habitantes da cidade. 

É que o evento poderia ser apenas uma ocasião para debates e conferências com os nerds do ramo. Mas é muito mais do que isso, uma vez que, como nos explicam na página oficial do evento, a Web Summit não constitui uma simples conferência das 9 às 5 (horário já de si excessivo), dado que inclui uma “Night Summit”. Essa Night Summit é considerada o melhor do “Web’s Summit Networking” e ocorre “after hours, in bars across Lisbon”. É-nos mesmo prometido que a “Night Summit will take over the city”, ocupando designadamente 120 bares na zona do “Bairro Alto & Principal Real” (sic).
Só podemos, naturalmente, mostrar compreensão por este takeover aos bares de Lisboa, uma vez que o mesmo é seguramente essencial para o tal networking. Na verdade, depois de Al Gore aparecer na Web Summit a querer recrutar a audiência para combater a crise ambiental, a melhor resposta da audiência é ir beber um copo ao bar, até porque os efeitos da seca continuam a fazer-se sentir, com este tempo de Verão em Novembro.

Da mesma forma, os inúmeros estrangeiros nativos de inglês que aqui vieram tiveram seguramente necessidade de ir beber um copo ao bar para recuperar do choque que foi ver a forma como António Costa assassinava o seu idioma materno. E que dizer do agradecimento de Marcelo pela “revolução científica e tecnológica” protagonizada pelos organizadores da conferência? Nada melhor que, a seguir, ir beber um copo ao bar, uma vez que, apesar da “revolução científica e tecnológica”, ainda não se conseguiu criar bares virtuais. Nada melhor, por isso, do que os bares de Lisboa para se fazer um networking a sério. 

É assim que, no âmbito deste takeover à cidade, alguém se lembrou que seria seguramente muito cosy e trendy organizar um jantar no Panteão Nacional. E, de facto, o lugar mostrou ser excelente para o efeito, pelo que até se deveria defender a sua transformação definitiva em restaurante. A Igreja de Santa Engrácia, que levou mais de 300 anos a construir, é um verdadeiro símbolo do atraso de Portugal e da forma lenta como fazemos as coisas, pelo que, se fosse transformada num restaurante, seria mais um exemplo positivo de uma startup e até poderia ganhar o prémio da Web Summit para essa categoria.

Estranhamente, depois de a autorização ter sido concedida e todos terem jantado com imenso apetite no local, voltou à superfície o espírito retrógrado português e apareceu uma indignação geral com este uso do Panteão por parte dos mesmos políticos que tinham acolhido com tanto carinho a cimeira e que até já tinham usado o Panteão para o mesmo fim. Mas o assunto ficou resolvido, com a culpa a ser naturalmente atribuída ao governo de Passos Coelho, que já se sabe ser o responsável por tudo o que acontece de errado em Portugal em 2017, desde os fogos à legionela, passando, naturalmente, pelos usos do Panteão. 

Só que, apesar da responsabilidade evidente do governo de Passos Coelho, o Paddy Cosgrave resolveu pedir desculpa, explicando que é irlandês e que na Irlanda celebram a morte de forma diferente de Portugal. É seguramente verdade, até devido ao seu apelido. Estás naturalmente desculpado, Paddy. Só te pedimos é que no próximo ano, em vez da Night Summit, que ocupa os bares de Lisboa, organizes mas é uma “Dead Summit” que abranja não só o Panteão, mas todos os cemitérios da capital. É que toda a gente sabe que as startups morrem tão rapidamente quanto nascem, pelo que os cemitérios são o local ideal para albergar esta cimeira.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990