Violência doméstica. O crime de que a justiça se ri


O juiz e a juíza que invocaram a xaria do islão e a Bíblia católica para justificar como o adultério era atenuante para que uma mulher fosse espancada com uma moca de pregos, no Portugal de 2017, vão ser objeto de inquérito disciplinar. É o mínimo. Mas registe-se que o silêncio institucional imperou durante vários…


O juiz e a juíza que invocaram a xaria do islão e a Bíblia católica para justificar como o adultério era atenuante para que uma mulher fosse espancada com uma moca de pregos, no Portugal de 2017, vão ser objeto de inquérito disciplinar. É o mínimo. Mas registe-se que o silêncio institucional imperou durante vários dias – a notícia foi conhecida no domingo passado através do “Jornal de Notícias”.

Portugal não leva a sério a violência contra as mulheres. Isto já acontecia antes de o juiz Neto de Moura e a juíza Maria Luísa Arantes terem descoberto que “são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras” e que a sociedade “vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”. O facto de ser uma mulher a assinar também o acórdão – será uma das “honestas” que “estigmatiza as adúlteras” – demonstra que o facto de se ser mulher não é, infelizmente, um atributo para ter uma conduta em defesa das mulheres. 

O crime da violência contra as mulheres permanece largamente ignorado pela justiça. A contemporização impera, as penas suspensas proliferam, as atenuantes disparam. Os juízes não interiorizaram o Código Penal que foi aprovado pelo poder político. Vários estudos demonstram que o crime de violência doméstica não entrou na cabeça dos juízes que, na sua grande maioria, ainda têm na cabeça o velho adágio “entre marido e mulher não metas a colher”. Se o poder político quis transformar a sociedade patriarcal, os juízes (e as juízas) não deixaram. 

A demência do acórdão da Relação do Porto vem acordar-nos de uma maneira radical – pela invocação do adultério como crime, por exemplo – para o desprezo a que a justiça portuguesa vota os crimes de violência contra as mulheres. 
Depois, quando as mulheres são mortas, a justiça entra em ação: o assunto passa a homicídio. As cabeças dos juízes da Relação e de outros são corresponsáveis pelos femicídios.