Quem será o marquês de Pombal do nosso tempo?


Com todas as consequências dolorosas que deles resultaram, os incêndios deste ano podem ter uma virtude: acelerar medidas e promover mudanças no nosso território que se impunham há muito. Por mais de um motivo, a calamidade traz à memória os acontecimentos de 1755. Um pouco antes das dez da manhã de 1 de novembro daquele…


Com todas as consequências dolorosas que deles resultaram, os incêndios deste ano podem ter uma virtude: acelerar medidas e promover mudanças no nosso território que se impunham há muito.

Por mais de um motivo, a calamidade traz à memória os acontecimentos de 1755. Um pouco antes das dez da manhã de 1 de novembro daquele ano, a terra tremeu violentamente em vários pontos do país, provocando o desmoronamento de muitos edifícios; as velas acesas nas igrejas, por ser Dia de Todos-os-Santos, atearam uma série de incêndios; como se não bastasse, um tsunami varreu a zona ribeirinha. A opulenta Ópera do Tejo, inaugurada uns meros sete meses antes, ficou reduzida a escombros.

Ninguém sabe quantas vidas se terão perdido nesses dias: no mínimo 10 mil, no máximo perto de cem mil. O certo é que a catástrofe pôs em marcha um plano de reconstrução da cidade que revelou o génio do marquês de Pombal e que se saldaria por um retumbante sucesso.

Uma política firme de expropriações permitiu substituir o emaranhado caótico de ruelas estreitas e irregulares da Baixa por um plano de avenidas largas e ortogonais. As construções débeis foram substituídas por edifícios padronizados dotados de um engenhoso sistema antissísmico – a gaiola pombalina. Todos os bairros eram dotados do seu poço, para fornecer água em caso de incêndio.

Regressando a 2017, estudos, relatórios, opiniões de especialistas e simples observações do senso comum já deixaram bem claro, pelo menos, aquilo que não se deve fazer – deixar terrenos ao abandono, ter grandes extensões ininterruptas de monocultura, plantar nas linhas de água ou permitir o crescimento de árvores junto às estradas, só para dar alguns exemplos.

Tal como o terramoto de 1755, a calamidade deste ano também pode ter o condão de motivar mudanças profundas. Até porque, à semelhança da Lisboa daquela época, o nosso território e as nossas florestas precisam de um plano que lhes imponha um pouco de ordem e racionalidade. Veremos se aparece um marquês de Pombal do nosso tempo – que é como quem diz, um homem com a coragem e a capacidade de pôr em prática esta tarefa gigantesca.