Longe vai o tempo de D. Pedro, gritando em Ipiranga: “Independência ou morte!” A independência hodierna exige estudos de viabilidade económica.
O processo independentista em curso na Catalunha (PIC2) corresponde a um processo negocial típico, com propostas (ofertas) e contra-ofertas, assumindo estas a forma de recusas, dada a natureza de soberano de uma das partes e a mediatização e politização do processo negocial. A negociação é pública, o que faz com que as duas partes tenham de mostrar posições de força, posições que escondem uma real fraqueza quer por parte do governo minoritário de Rajoy, quer por parte da frágil e díspar coligação em que assenta a Generalitat presidida por Puigdemont. Uma negociação conduzida em directo no horário nobre dos telejornais só pode resultar se for a expressão de negociações discretas que forneçam os quadros a serem coreografados em frente às câmaras de televisão. Até ao presente, toda a negociação pública do PIC2, com a batalha de egos entre Rajoy e Puigdemont, indicia a total ausência de negociações de bastidores.
O lance de abertura da negociação partiu do lado catalão, com o anúncio de um referendo independentista que se sabia violador da ordem constitucional espanhola, que exige um referendo nacional. Feita a provocação, veio a reacção de Madrid, com um PP que não queria ser visto como fraco e promoveu de forma desastrada o q.b. de violência para fazer surgir uma maioria de votantes pró-independência (maioria inexistente antes da acção musculada da polícia nacional e maioria que corresponde aos votantes no referendo, não à maioria dos eleitores). Puigdemont agradeceu a inabilidade de Madrid, adoptou um discurso de vitimização, desdobrou-se em declarações à comunicação social estrangeira e desencadeou um referendo que não seria nunca aceite como uma votação livre e justa mas que deu, como esperado, uma maioria norte-coreana aos independentistas. A próxima etapa negocial beneficiou do voto com os pés, da decisão da maioria dos catalães de abrirem contas bancárias noutras regiões autónomas de Espanha, ao mesmo tempo que a maioria das grandes empresas deslocaram para fora da Catalunha as suas sedes sociais. Madrid apressou–se a aprovar legislação favorecedora da fuga de capitais.
As famílias e as empresas catalãs parecem acreditar na possibilidade de independência. Mas desconfiam que uma independência não negociada com Madrid se traduzirá na saída do euro e do espaço Schengen e no retomar das fronteiras para controlo de movimentos de pessoas, capitais e bens.
Puigdemont pré-anunciou a declaração de independência (porque, se não o fizesse, a ala esquerda da sua coligação o defenestraria) e suspendeu a declaração pelo período de um mês (criando espaço político para uma solução negociada). Rajoy fez um ultimatum exigindo saber, até segunda-feira, se a declaração suspensa é ou não uma declaração de independência. Com reserva mental, quer um pretexto para aplicar o art.o 155.o da Constituição, suspender a autonomia, dissolver os órgãos autonómicos e convocar eleições que afastem Puigdemont da Generalitat.
Um mês pode ser o tempo suficiente para PP e PSOE concretizarem a anunciada revisão constitucional que transforme Espanha num Estado federal, nacionalize grande parte da dívida catalã e aumente os poderes da Generalitat. Resta saber se Rajoy prefere esta via da negociação indirecta ou se aposta tudo na derrota eleitoral de Puigdemont por via da aplicação do art.o 155.o. Neste momento, nenhuma das partes aceitará qualquer proposta vinda “do outro lado”. Mas a revisão constitucional confronta Rajoy com um “outro lado”, o PSOE.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990