Figueiró dos Vinhos.  É destas mãos que nasce uma nova floresta

Figueiró dos Vinhos. É destas mãos que nasce uma nova floresta


Pedro e Aníbal decidiram que o 17 de junho seria o último dia em que as aldeias onde vivem seriam ameaçadas. Decidiram não esperar pelo governo nem por subsídios e puseram mãos à obra. Em Casal de São Simão e Ferraria de São João, os eucaliptos já dão lugar aos sobreiros


Pedro não é de cá, mas escolheu viver aqui. A decisão de trocar Lisboa por Ferraria de São João nunca foi posta em causa até 17 de junho, o dia negro dos incêndios que atingiram a zona Centro. Quando começou a ver o fogo descer a encosta que serve de muralha a esta aldeia onde vivem atualmente 38 pessoas, percebeu que aquela seria a última vez que punha a mulher e os filhos em risco.

A aldeia deixou que o perigo passasse e, com os ânimos mais calmos, puderam sair de casa, olhar em volta e perceber que Ferraria foi praticamente caso único dos que ficaram para contar a história de um cenário pintado de negro.

Naquela noite, o fogo descia a ladeira que separa a aldeia do resto do mundo mas, à medida que avançava, ia, ao mesmo tempo, perdendo força. Os ventos ajudaram, é certo, mas o grande responsável, perceberam depois, foi o sobreiral que serviu de barreira às chamas. Como a cortiça arde mal e a vegetação em volta é rasteira, o fogo foi circundando a área e já chegou perto das casas sem força para causar estragos.

Todos deram graças por estarem salvos, mas Pedro não acredita na sorte o suficiente para uma segunda oportunidade. “Decidi naquele dia que, se queria continuar cá, tinha de fazer de Ferraria um sítio mais seguro.”

Dias depois juntaram-se todos os moradores e, assim que foi atingida a maioria, decidiram avançar com a implementação da faixa de proteção da floresta, que não seria mais que efetivar uma lei que nunca foi cumprida. “Se há 50 anos que as pessoas plantam eucaliptos e há 50 anos nunca ninguém as puniu por isso, como é que iam saber que há alternativas?”, questiona Pedro, que rapidamente percebeu que a resposta estava em explicar à população que há alternativas à árvore que sempre viram como fonte de rendimento. Assim, e com os 14 mil euros que a associação de moradores tinha de poupanças, avançaram com o arranque de nove hectares de eucaliptos, onde agora estão a ser plantados sobreiros e carvalhos. “Já mais perto das habitações vão estar os castanheiros e as nogueiras, para que percebam que se pode fazer dinheiro com outras árvores que não o eucalipto”, explica.

Eucalipto não é inimigo

E de repente, depois de anos de eucaliptos a brotarem em Portugal, descobre-se que é nele que está a causa de todos os males. Será assim? “Se existem assim tantos é porque foram plantados, é porque as pessoas foram incentivadas a isso”, lembra Aníbal Quintas, uma espécie de Pedro da aldeia vizinha, que se junta à conversa para garantir que não é objetivo de nenhum deles “criminalizar” o eucalipto. “É uma peça importante na economia local e temos de tentar tirar-lhe esta carga de incendiário que ganhou entretanto”, refere. E autocorrige-se de imediato. “Vamos tentar não, vamos fazer!”, exclama.

É esta posição sem espaço para dúvidas ou volte-faces que tem marcado o trabalho de Pedro, em Ferraria, e de Aníbal, em Casal de São Simão.

Os dois não quiseram esperar pelas ajudas do governo, por candidaturas com tempo de espera infinito ou por fundos vindos sabe-se lá de onde. “Queríamos fazer alguma coisa enquanto as pessoas estavam sensibilizadas”, conta Pedro e, por isso, avançaram sozinhos.

Contam com alguns apoios mas que, para já, estão longe dos cem mil euros que apontam como necessários para verem cumpridas todas as tarefas de uma lista que inclui o corte e o arranque dos eucaliptos, a desmatação, o desbaste de árvores, a criação de caminhos e a plantação de novas árvores.

As coisas não são imediatas, mas vão ser feitas, garantem. E com todos estes planos concretizados, os dois estão confiantes num próximo verão muito mais seguro. “Até costumo brincar e dizer que podem deixar arder que aqui não chega”, admite Aníbal, num riso nervoso de quem sabe que isto das ironias tem o seu quê de perigoso. Estava de férias na Madeira quando o incêndio deflagrou na aldeia que, há 30 anos, ajudou a reconstruir. “Só quando cheguei e olhei para este oásis de verde no meio da cinza toda é que respirei de alívio”, conta.

Os dois sabem que têm de aproveitar a pujança de quem ainda tem frescas na memória as imagens do horror, mas têm igual consciência de que este trabalho não acaba com a criação de uma nova floresta. “Não é só plantar árvores, há que manter a serra limpa para que isto não volte a acontecer”, refere Pedro. Mas até isto já está pensado. Nos projetos das duas aldeias está a criação, na zona ribeirinha, de um posto de trabalho para um pastor que ficará incumbido de liderar um rebanho que ajude a manter a mata limpa. No topo da serra será criado um parque fotovoltaico, com ligação à rede elétrica, para que daqui se tire algum rendimento a ser aplicado neste futuro a longo prazo.

É exatamente no topo da montanha, no início da estrada que dá acesso à Ferraria, que os dois homens debitam ideias e discutem projetos, como se a nova paisagem servisse de inspiração ao trabalho. Com a terra limpa e as árvores cortadas, o cenário deixa ver agora uma aldeia que, há quatro meses, ficava escondida por trás de um muro de eucaliptos. “Alguns moradores já nem se lembravam como isto era”, garante Pedro, “Agora chegam cá cima e dizem, com orgulho, ‘olhe que bonita que é a nossa aldeia’.”