Ganhar eleições não significa que se governe, como se sabe por Portugal desde 2015. A vitória de domingo não garante que Merkel fique muitos mais anos pela chancelaria.
A geringonça lusitana jungiu três partidos nominalmente de esquerda provenientes de famílias políticas que devotamente se odiaram antes e depois do 25 de Abril: revisionistas (os sociais- -democratas, que em Portugal respondem pelo nome de socialistas), estalinistas (o PCP) e trotskistas (o Bloco de Esquerda). Uniu-os o desejo de acabar com o governo PSD-CDS e, fiéis à tradição lusitana de aversão ao compromisso, não sentiram necessidade de detalhar o acordo fundador do apoio parlamentar para lá de umas generalidades antitroika.
Já a tradição alemã obriga a longas negociações das coligações pós-eleitorais, com consultas referendárias aos militantes dos partidos e extensos acordos escritos. E os coligados integram o governo, não ficam de fora estando dentro, quando muito podem ameaçar sair do governo ou manter-se por lá, mudando de parceiro (foi o virar de casaca dos Liberais, trocando o SPD pela CDU, que levou Kohl à chancelaria, onde permaneceu 16 anos).
As eleições alemãs deram à CDU o seu pior resultado desde 1949, ao SPD um dos piores desde a ii Guerra, ressuscitaram os liberais (vítimas de um anterior abraço de urso na coligação com a CDU), mantiveram os resultados dos Verdes (civilizados durante o governo de coligação com o SPD) e do Die Linke (as sobras do comunismo de leste e os deserdados do SPD) e, mérito da política migratória de Merkel, consagraram o Alternative für Deutschland como terceiro maior partido (com 12,8%, entrando para o Bundestag, de onde a cláusula-barreira de 5% e os 4,6% nas anteriores eleições o tinha afastado).
Estas eleições não confirmam só o afundar dos partidos tradicionais, à semelhança do que acontece por toda a Europa. Marcam o regresso da divisão entre Wessies e Ossies: há 22% de eleitores nos extremos direito (AfD) e esquerdo (Die Linke) que beneficiam de um cordão sanitário e não são “convidáveis” para o governo. E a maioria destes 22% de eleitores (soma percentualmente maior do que a do PCP com o Bloco…) residem nos Länder da ex-DDR…
O SPD anunciou não querer repetir a Größe Koalition, sabendo que mais um abraço de urso o atiraria para a irrelevância. Schulz quer dar uma cura de oposição ao partido e construir um programa alternativo ao duopólio da AfD e Die Linke na oposição.
Merkel terá de montar uma coligação com os Liberais e os Verdes ao mesmo tempo que segura a ala direitista da CDU e a irmã bávara CSU, pouco solidárias com a sua política de imigração e alérgicas a qualquer mecanismo de mutualização de dívida na zona euro. O primeiro capítulo da coligação Jamaica foi já escrito, com o envio de Schäuble para a presidência do Bundestag, deixando livre o Ministério das Finanças para os Liberais que, na actual gerência, não se contentam com o Auswärtiges Amt.
O governo Merkel iv tomará posse, mas a chanceler não deverá completar a legislatura. Dois anos podem ser os suficientes para fazer surgir um líder alternativo dentro da CDU e permitir uma suave migração de Merkel para a União Europeia, seja para a presidência da Comissão, seja do Conselho. Os mandatos dos actuais titulares terminam em Novembro de 2019.
As eleições alemãs são tão importantes para o nosso futuro que deveríamos poder eleger o chanceler. Mas tal implica um grau de federalismo europeu que os alemães, demasiado preocupados com a bolsa, não estão disponíveis para aceitar. Schade.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990