Pirâmides, catedrais, materiais e nanotecnologias

Pirâmides, catedrais, materiais e nanotecnologias


A tão falada tecnologia do século XXI, a nanotecnologia, teve início com a ideia de Clifton Sorby em 1850. E com ela veio o fim do domínio de mais de quatro mil anos da pirâmide de Gizé como rainha das alturas


Em 2550 a.C., os egípcios construíram a grande pirâmide de Gizé. Com 150 metros de altura, esta foi a estrutura construída mais alta do nosso planeta durante mais de quatro milénios. É certo que em 1311, em Lincoln, na Inglaterra, uma catedral com uma torre com 160 metros de altura destronou a pirâmide de Gizé. Mas, em 1549, uma tempestade fez a torre mais alta da catedral de Lincoln colapsar e a pirâmide de Gizé manteve durante mais alguns séculos o seu estatuto de rainha das alturas. Foi assim que, durante milhares de anos, existiu uma espécie de lei natural que dizia qualquer coisa como: 150 metros de altura é o limite daquilo que os homens podem construir. Essa lei não era mais do que a consequência da resistência máxima que os materiais de construção tinham, sobretudo da pedra usada na construção destas grandes estruturas.

No entanto, no início do século xx, qualquer coisa mudou. Nas grandes cidades começaram a surgir prédios com alturas nunca antes vistas. Tão altos que o termo “arranha-céus” logo foi proposto para os designar. Em 1931, o Empire State Building, em Nova Iorque, construído em menos de 18 meses (a construção das pirâmides e catedrais góticas levava, por vezes, várias centenas de anos), atinge a espantosa altura (para a época) de 381 metros. Presentemente, quando for inaugurada, em 2020, a torre de Jeddah, na Arábia Saudita, ultrapassará um quilómetro de altura. Nos 90 anos que decorreram entre o Empire State Building e a torre de Jeddah, a paisagem arquitetónica das nossas cidades mudou radicalmente, relativamente a tudo o que existiu em séculos anteriores.

O que aconteceu que permitiu que a barreira dos 150 metros de altura fosse ultrapassada com tanta facilidade e rapidez no último século? A resposta é esta: nos últimos 150 anos aprendemos a fabricar em grandes quantidades materiais muito mais resistentes e baratos do que a melhor pedra mármore ou a melhor rocha de calcário até então disponíveis para fazer pirâmides, castelos ou catedrais. Esses materiais são o aço, o cimento e as misturas dos dois anteriores, que designamos por betão. Como foi possível este desenvolvimento tão rápido na produção em larga escala destes novos materiais (e de muitos outros, por exemplo, o silício e os polímeros, base dos nossos telemóveis e computadores) que alteraram a nossa vida de forma tão radical e profunda nas últimas décadas? A resposta a esta pergunta é mais complexa. Seguramente, diversos fatores contribuíram para tal, nomeadamente haver equipas de investigação e desenvolvimento, engenheiros de materiais e investidores e industriais, por todo o mundo, dispostos a apostar e investir em novas tecnologias e no desenvolvimento de novos materiais que nos permitem ir cada vez mais além naquilo que conseguimos construir.

Mas, para além disso, justifica-se aqui uma menção especial a um homem que, por volta de 1850, teve uma ideia simples e genial que mudou tudo. O seu nome era Henry Clifton Sorby e a sua ideia simples foi observar num microscópio como era a estrutura do aço e de diversos outros materiais. Nunca antes ninguém se tinha lembrado de o fazer, e aquilo que viu permitiu pela primeira vez estabelecer relações entre a estrutura e as propriedades dos materiais (e, no caso especifico, permitiu estabelecer a tecnologia de produção do aço em que ainda hoje nos baseamos). A partir de Clifton Sorby, nada foi igual, porque houve a perceção de que a estrutura microscópica das coisas era a chave para controlar propriedades, desenvolver e produzir novos materiais. No fundo, a tão falada tecnologia do século xxi, a nanotecnologia, teve início com a ideia de Clifton Sorby em 1850. E com ela veio o fim do domínio de mais de quatro mil anos da pirâmide de Gizé como rainha das alturas e a rápida ultrapassagem de muitas barreiras que a humanidade sempre teve como certas.

 

Professor de Engenharia de Materiais do IST