A patranha de António Costa


Não será a dívida que diminui, mas o PIB que cresce. O que significa que, apesar de tudo, vamos dever mais, que cada vez mais viveremos o hoje com o que vamos ganhar amanhã


A crónica de hoje tem demasiados números. É chato, mas seria importante que o leitor perdesse algum tempo com ela porque, no fim de contas, é quem vai pagar a conta. Algo de que pode não gostar, mas que não pode mudar. E o que tem sido difícil mudar em Portugal é a trajetória da dívida pública. Vejamos bem: em 2011, o ano de intervenção da troika, a dívida pública era de 183,3 mil milhões de euros, 107,2% do PIB, mais 22 mil milhões que em 2010. Em 2012 atingiu o valor de 203,4 mil milhões de euros, uma subida de 20 mil milhões, representando 122,5% do PIB. Foi com enorme esforço que subiu “apenas” para 213 mil milhões em 2013, ou seja, uns meros 10 mil milhões de euros. Em 2014 chegou aos 224 mil milhões, 128,7% do PIB, subindo em 2015 “apenas” 7 mil milhões, para os 231 mil milhões de euros.

Depois veio a geringonça: 241 mil milhões em 2016 (subida de 10 mil milhões) e 249 mil milhões em julho de 2017 (mais 8 mil milhões em seis meses). Dizem-nos: mas o défice desceu. Certo. Mas desceu o défice face ao PIB, que subiu. O aumento da dívida pública é tão grave que, mesmo com o crescimento económico de 2017 – o maior do século, e o pior da Europa quando comparado o segundo com o primeiro trimestre deste ano –, a dívida pública em percentagem do PIB traduziu-se, em 2016, num rácio de mais de 130%.

António Costa veio agora, durante a campanha eleitoral, dizer que a partir de outubro, depois das eleições, o governo vai reduzir a dívida pública. Como, não diz. E não diz porque a redução a que se refere é a da percentagem da dívida face ao PIB e não do seu montante absoluto, que continuará a subir. Ou seja, não será a dívida que diminui, mas o PIB que cresce. O que significa que, apesar de tudo, vamos dever mais, que cada vez mais viveremos o hoje com o que vamos ganhar amanhã.

A ideia de Costa é que o PIB cresça a qualquer custo, fazendo de conta que está tudo bem. Mas quando a economia tropeçar devido a uma calamidade natural, a uma guerra, a uma recessão num país próximo de Portugal, ou até porque quem compra a nossa dívida ache que é demais, o crescimento abranda, a recessão instala-se, mas a dívida pública lá continua. Já não serão 250 mil milhões de euros, mas 260, 270, e com a queda, nessa altura inevitável, do PIB, não 130%, mas 140% ou 150%. António Costa anda contente, mas as causas da sua alegria são o esforço que todos fizemos e que não deveríamos permitir que alguém pudesse desbaratar para mero prestígio pessoal. O nosso amor-próprio devia reclamar que exigíssemos mais. Porque quem vai pagar isto é o leitor, não eles.

 

Advogado, Escreve à quinta-feira