Se há coisa que caracteriza o Estado Português é a absoluta incapacidade de assumir responsabilidades do que quer que seja, sendo tudo remetido para uns inquéritos demorados que, naturalmente, não apurarão coisa nenhuma. Neste aspecto, a entrevista do Presidente da República foi mais uma vez uma demonstração cabal de que o mais alto cargo do Estado em nada destoa do que se passa na sua base.
Em Pedrógão Grande houve pessoas que foram mandadas para uma estrada em chamas, o que causou a sua morte. Quando se pergunta pela indemnização às vítimas, o que responde o Presidente? Que tenciona lá ir pelo Natal, mas que quanto às indemnizações é preciso esperar pelo “apuramento dos factos e das responsabilidades” para evitar que haja “uma multiplicação dos pedidos de indemnização em todas as circunstâncias”. Eu traduzo: os familiares das vítimas vão ter de recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos, que ninguém no Estado os assegurará.
Mesmo em relação a Tancos, em que não há quaisquer dúvidas sobre o roubo do material de guerra, o que diz o Presidente? “Que se deve investigar factos e responsabilidades. Ou há razão para haver responsabilidades ou não há. Se há, há-de haver responsáveis. Agora é preciso esperar.” E assim lá esperarão os portugueses que alguém assuma as suas responsabilidades num caso de material de guerra que o Exército deixou que fosse furtado.
Mas, não se desse o caso de os portugueses desesperarem com as investigações, o Presidente resolveu assumir que tinha uma “bomba atómica”, a dissolução do parlamento, mas obviamente não faz qualquer tenção de a utilizar, cabendo aos partidos da maioria decidir se levam ou não a legislatura até ao fim. Já quanto à sua própria recandidatura, apesar de ainda faltarem quatro anos, informa-nos que “se sentir um dever ético, um dever cívico, o dever estrito de se candidatar”, candidata-se. Provavelmente, a sua recandidatura chegará muito antes de alguém assumir responsabilidades quer pelas vítimas de Pedrógão Grande, quer pelo roubo de Tancos. É este, infelizmente, o Estado que temos.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990