Portugal e, em geral, as economias de-senvolvidas têm enfrentado nas últimas décadas um fenómeno generalizado de estagnação económica, até já designado como estagnação secular. Este fenómeno tem sido explicado principalmente de formas puramente económicas, sendo nestas explicações negligenciado aquilo que é um facto evidente sobre o crescimento económico pujante e sem precedentes que a humanidade teve nos último séculos: o uso massivo de energia.
Investigação realizada nos últimos anos no IST, em colaboração com outras instituições nacionais e internacionais, tem vindo a demonstrar a forte relação entre energia e crescimento económico. No entanto, para encontrar essa relação é necessário medir energia corretamente, sob a forma de serviços energéticos tais como movimento, luz, calor, etc. (tecnicamente, os serviços energéticos são medidos e agregados usando o conceito de exergia útil). No caso português, o já mais amplamente explorado, surgiram várias evidências empíricas, das quais iremos aqui referir duas.
Em primeiro lugar, descobrimos que, ao longo dos últimos 150 anos da história económica de Portugal, foi sempre necessária a mesma quantidade de serviços energéticos por unidade de PIB. Este resultado é forte e muito surpreendente, se pensarmos que estes 150 anos abrangem a evolução de uma economia predominantemente agrícola para uma com alguma industrialização e, finalmente, para outra com predominância de serviços.
Em segundo lugar, olhámos para a eficiência energética agregada da economia portuguesa: a sua capacidade média de transformar energia final (eletricidade, gasolina, gasóleo, etc.) em serviços energéticos. Esta eficiência era no séc. xix de 7%, correspondente essencialmente à eficiência do trabalho muscular realizado por pessoas e animais de trabalho (bois, cavalos). Manteve-se estagnada até meados do séc. xx. No período de 1950 a 1980, salta para próximo de 20%, devido principalmente ao uso de motores elétricos na indústria, que proporcionaram a produção em massa característica da 2.a Revolução Industrial. De 1980 até ao presente, e principalmente já no séc. xxi, a eficiência estagna outra vez, devido principalmente ao crescente uso de motores a gasolina e gasóleo no transporte rodoviário. Esta evolução da eficiência corresponde de perto aos períodos de maior crescimento económico: reduzido até 1950, pujante nas décadas subsequentes e estagnado no séc. xxi.
Estas evidências apontam para um papel fundamental da energia no crescimento económico, papel esse em geral pouco considerado na ciência económica. As causas para tal são fundamentalmente do âmbito da falta de comunicação interdisciplinar: os economistas sabem pouco de engenharia e os engenheiros sabem pouco de economia.
Em concreto, é possível dar um exemplo simples que ajuda a perceber porque é que as abordagens económicas habituais não são capazes de capturar o verdadeiro contributo da energia para a atividade económica.
Consideremos um agricultor há vários séculos em Inglaterra, antes da Primeira Revolução Industrial. Esse agricultor trabalha a terra com um cavalo e produz alimento só para a sua família. Hoje, um agricultor trabalha a terra com um trator de 100 cavalos (isto é, com uma potência igual à de 100 cavalos) e produz alimento suficiente para 100 pessoas … e, por essa razão, só 1% dos ingleses são agricultores.
Porque é que medidas puramente económicas não são capazes de capturar este fenómeno? Porque, hoje, um trator de 100 cavalos tem um custo da ordem das dezenas de milhares de euros, enquanto um cavalo tem um custo da ordem dos milhares de euros; isto é, o trator é 100 vezes mais produtivo, mas só é 10 vezes mais caro. Só uma medida energética é que captura o verdadeiro contributo do trator para a criação de valor económico.
Claro que não é só uma questão de energia. É preciso que o agricultor seja mais qualificado, é preciso que existam mercados que permitam escoar a produção agrícola, é preciso que existam empreendedores que apoiem o desenvolvimento da tecnologia de tratores e engenheiros que os concebam. Mas a energia é um fator essencial.
Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico