As primeiras da fila chegaram às 17 horas para marcar lugar. Carolina, Joana e Ingrid vêm de t-shirt branca, mas se lá pudessem estampar um nome era o do Agir. “Ou do Salvador Sobral”, diz Joana, antes de um suspiro conjunto. Mas hoje estão cá para ouvir mais do que o “Amar Pelos Dois”, até porque já o viram “bué de vezes”. Carolina, como tem familiares a viver em Góis, tomou a iniciativa e comprou o bilhete para as três. “É a nossa forma de ajudar”, garantem, “e já agora vemos o Agir mais uma vez.”
Este concerto é peculiar. Reúne 25 artistas portugueses mas, neste caso, não são eles as estrelas, não há cartazes nem pinturas na cara, purpurinas ou bandeiras. No meio de uma fila feita de todas as idades sobressai apenas a camisola de Luís, estampada com a mensagem “Juntos Por Todos”, usada como mote do espetáculo. “Fiz isto para mostrar ainda mais o meu apoio”, conta Luís que, além de ter tido a experiência comum de espetador de uma tragédia sem intervalos televisivos, tem ainda a experiência de ser, também ele, protagonista de histórias semelhantes. Antes de emigrar para Bruxelas foi bombeiro na Lousã, posto que deixou para o sobrinho, que é atualmente comandante no mesmo quartel. “Foi por ele que vim, por ele e por todos. Por ter sido bombeiro lá, sei bem como é que é.” E também por isso, a contribuição não se ficou pelo bilhete. “Passei o fim de semana a ligar para aquele número de valor acrescentado”, conta.
Entre bilhetes, chamadas e transferências bancárias, os donativos têm chegado de todo o lado. “Só espero que vão ter ao sítio certo”, confidencia Manuela Antunes, que nunca se esqueceu daquilo que aconteceu num evento semelhante, há quase 40 anos. Em 1978, a RTP preparou uma emissão contínua a que deu o nome de “Operação Pirâmide” e que serviu para angariar mais de cem mil contos para a Cruz Vermelha. Mais tarde, soube-se que desta ideia de Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz, nem todo o dinheiro foi entregue a quem de direito. “Do que te foste lembrar”, exclama Inácia que, tal como Manuela, vem num grupo de 50 alunos da Universidade Sénior de Loures. “Isto é gente séria. Temos de acreditar que sim.”
Concerto
Pelo decorrer do espetáculo, não pareceu que restassem dúvidas quanto ao destino final do dinheiro, neste caso, a União das Misericórdias. Num palco democraticamente dividido por apresentadores das três estações é anunciado que, depois de apenas duas atuações, o valor chegava já aos 600 mil euros. Talvez para isso tenha contribuído o facto de Agir começar por A. Os artistas atuaram por ordem alfabética e neste alfabeto cantado seguiram-se Amor Eletro, Ana Moura, Áurea, Camané, Carlos do Carmo, Carminho, D.A.M.A., David Fonseca, Diogo Piçarra, Gisela João, Hélder Moutinho e Luís Represas e João Gil. O ex-Trovante lembra que “depois de honrar os mortos, chegou a hora de agir”. Calma, plateia, é o verbo, não o cantor.
Quase que em seguimento do apelo de João Gil sobem ao palco Sérgio Godinho e Jorge Palma, que perguntam, como é hábito, de que é que Portugal está à espera. Em resposta, os apresentadores anunciam que a fasquia dos donativos já chegou aos 900 mil euros.
A rapsódia continua com Luísa Sobral, Matias Damásio, Miguel Araújo, Paulo Gonzo, Pedro Abrunhosa, Raquel Tavares, Rita Redshoes e Rui Veloso, que prova que, neste concerto, a velha guarda é mais reivindicativa. “Os políticos que parem de pôr as culpas uns nos outros”, pede, debaixo de uma ovação, que só não é de pé porque é preciso guardar esforços para o que aí vem. Salvador Sobral sobe ao palco, canta Joni Mitchell o inevitável “Amar Pelos dois”. A plateia aplaude, ri quando da sua boca sai a palavra “peido”, volta a aplaudir, canta em coro, põe telemóveis no ar, volta a cantar, volta a aplaudir. Resultado: 1 153 000 euros arrecadados num evento sem precedentes em Portugal.