Helmut, dito Kohl(1930-2017)


Todos o viram como um chanceler de transição que rapidamente daria lugar a outro. Ganhou quatro eleições e ficou 16 anos na chancelaria


Kohl chegou a líder da CDU paciente e discretamente, subindo todos os degraus da hierarquia partidária. Viu as suas capacidades serem sistematicamente subavaliadas, desde logo as que permitem aos políticos bem-sucedidos conservarem o poder. Em 1976 disputou a chancelaria com o outro Helmut. O “Spiegel”, sempre simpático para com o político da terra, estampou na capa uma caricatura de Kohl, que passou de imediato a ser o “Bergamotte-Birne”, o pêra-bergamota, o gigante e rotundo provinciano vindo da Renânia-Palatinado, o oposto do príncipe de Hamburgo, Helmut Schmidt. Kohl aumentou a votação da CDU-CSU e obteve 254 deputados. O SPD caiu para 224 e Os Liberais para 40. Para a história ficou a derrota de Kohl e a vitória de Schmidt, em renovada coligação com Os Liberais. A Kohl, bastava-lhe esperar.

Em 1982, Os Liberais viraram a casaca e, com recurso a uma moção de censura construtiva, ofereceram a chancelaria a Kohl. Todos o viram como um chanceler de transição que rapidamente daria lugar a outro. Ganhou quatro eleições e ficou 16 anos na chancelaria, com o incómodo de ter de passar de Bona, na vizinhança da sua casa de Ludwigshafen, para Berlim.

A imagem pública não mudou, mas ganhou um tom positivo: era um provinciano simpático, um pater familias partidário, cacicando muito, cacicando sempre, garantindo a fidelidade dos barões da CDU com a distribuição de muitos milhões de marcos para as campanhas eleitorais nos Länder. E muitos desses milhões resultavam de comissões cobradas ilicitamente, consta que aos franceses da Total, na compra de redes de gasolineiras na Alemanha de Leste, ou aos sauditas, na compra de tanques Leopard 2.

Kohl tinha a seu favor a memória da ii Guerra Mundial e a geografia, com a proximidade da fronteira francesa. Negociador hábil e determinado, convenceu as potências ocupantes da Alemanha a aceitarem a reunificação e os alemães a pagarem-na, convertendo ao par os marcos de leste em marcos ocidentais. Quis uma Alemanha europeia e sonhou uma Europa não necessariamente alemã. Do leste trouxe a jovem Merkel, mein Mädchen. Em 1999, já com Schröder na chancelaria, a sua rapariga publicou um artigo de opinião no “Frankfurter Allgemeine Zeitung” denunciando o financiamento partidário ilegal organizado por Kohl e apelando ao seu afastamento político. Amor com amor se paga e, numa entrevista divulgada em 2004, Kohl não deixou de recordar que, quando levou Merkel para o governo, a senhora não sabia comer de garfo e faca. Kohl foi divulgando o que pensava sobre os governos que lhe sucederam. Fê-lo várias vezes através do tablóide “Bild”, nem sempre indo ao encontro da linha editorial ou do sentir do alemão comum. Na crítica a Merkel foi particularmente contundente em relação aos excessos austeritários impostos aos países do Sul (“está a destruir a minha Europa”) e quase feroz na política de portas abertas aos refugiados (tendo recebido Orbán e elogiado a sua política de imigração, “a verdadeira protecção da fronteira alemã”).

Ao contrário de Thatcher e dos tecnocratas franceses, Kohl sempre defendeu a adesão de Espanha e de Portugal às então Comunidades Europeias. Nas relações com Portugal teve de sofrer o partido-irmão, tolerou Cavaco e admirou Guterres.

Cumpriu com os preceitos do catolicismo renano, praticando o pecado, não só da gula ou da infidelidade, mas também o do vinho. Beneficiou de um desinteresse alemão pela vida privada dos políticos, mesmo com o suicídio da mulher e o casamento tardio e legitimador com a secretária. De caminho batalhou, com sucesso, nos tribunais para que não fosse divulgado o conteúdo do volumoso dossiê que a Stasi tinha reunido.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990