No próximo domingo, com excepção do valor da abstenção, as eleições legislativas em França têm já os resultados anunciados.
O recém eleito Presidente Macron partiu para as eleições legislativas com zero Deputados. Precisaria de 290 para ter uma maioria absoluta que lhe permitisse governar. De acordo com os cálculos de todos os especialistas em projecções de resultados eleitorais, o seu partido instantâneo, En marche!, terá mais de 400, o centro direita algo acima dos 100 e o PS local um pouco mais do que a bancada parlamentar do Bloco de Esquerda em Portugal.
Como é que chegámos a este novo episódio da Revolução Francesa?
O mérito da agonia do PS local vai direitinho para Hollande e para o longo bocejo que foi o quinquenato que agora findou. Bocejo tanto mais difícil de aceitar pelo eleitorado quanto eram enormes as esperanças nele depositadas. Para os mais esquecidos recordemos: em 2012 as celebrações da vitória de Hollande foram feitas na Bastilha, o simbolismo do local não poderia colocar a fasquia mais alta…
A desilusão popular, o novo e crescente proletariado urbano, que tem um emprego mas não consegue pagar as contas ao final do mês (a versão francesa dos JAM, Just About Managing) e o desemprego dos que têm menos de 35 anos aumentaram a grogne ao ponto de promover a jivarização dos partidos tradicionais e o crescimento exponencial dos partidos anti-sistema, o Front National (FN) à direita e a France Insoumise à esquerda. Não deixa de ser curioso que o discurso político destes dois partidos tenha inúmeros pontos em comum, desde a saída do euro às medidas de proteccionismo comercial, passando pela re-industrialização e a retorno do Estado à função de produtor de bens, prestador de serviços e fornecedor de empregos.
Macron também teve mérito, saindo em andamento de um Governo PS, mostrando-se disponível para a candidatura como se não tivesse tido nada a ver com o Hollandismo. E como todos os atrevidos bem sucedidos teve sorte. Muita sorte e por várias vezes. Mas só pode aproveitar a sorte porque já se tinha posicionado para lhe pedir boleia. Teve a sorte de Juppé não ter ganho as eleições de direita. Teve a sorte de O Fillongate ter morto a possibilidade de a direita ter um candidato na segunda volta e repetir o unanimismo em torno de Chirac em 2002 contra Le Pen pai. Teve a sorte de Juppé não ter querido saltar por cima dos resultados das primárias e obrigar Fillon a desistir. Teve ainda a sorte de Valls ter perdido as primárias do PS e de Mélenchon ter tido a sabedoria de nelas não participar e de correr em pista própria, garantindo a ausência de um candidato de esquerda na segunda volta.
No domingo Macron amealhará os votos da esquerda e da direita quando o seu candidato esteja face a um candidato FN. Amealhará os votos da esquerda quando o seu candidato enfrentar um candidato da direita. E amealhará os votos da direita quando o seu candidato enfrentar um um candidato da esquerda.
O sistema político desenhado por de Gaulle permite este tipo de subordinação das eleições legislativas à vontade do homem providencial ao qual os franceses, mesmo que com mais de 50% de abstenção, confiaram o seu destino. O gaullismo voltou pela mão de Macron. A partir de domingo esperamos pelo mais difícil: o que fazer com uma maioria, um presidente e um governo.
Nota para os invejosos: o sistema político francês não é exportável, muito menos para Portugal, onde o sistema eleitoral proporcional e o mitigado semi-presidencialismo trazido pela revisão constitucional de 1982 não permitem semelhantes marchas populares. Felizmente.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990