Geração i. Eles desligaram a televisão e arrumaram os jornais

Geração i. Eles desligaram a televisão e arrumaram os jornais


Jovens de seis países europeus estão reunidos em Forlì, na Itália, para discutir o acesso à informação e o futuro dos órgãos de comunicação. À chegada, partilharam com o i um certo pessimismo desta geração em relação à informação que lhes chega pelos meios convencionais, em que não conseguem descortinar o que é verdadeiro ou…


Estamos sentados à volta de uma mesa de esplanada, no meio do nada, perto do centro de Forlì, em Itália. Entre 20 jovens de vários países, dois discutem, de copo de vinho na mão, os livros, filmes, séries e jornais que seguem, cada um no seu país. Um é polaco, outro romeno. Repetem a expressão “awareness”, palavra que é muito usada pelos millennials em todo o mundo. É a forma global de dizer “tomar consciência”. Flavius, romeno de 24 anos, formado em Gestão de Empresas, explica porquê: é uma palavra que usam porque reflete a forma como estão na vida. “Tem a ver com teres a mente aberta, uma visão holística do mundo e do que ele tem para ensinar.”

O grupo juntou-se depois de um dia de viagens de avião, comboio e até carrinha para chegar ao encontro “KEEPinMiND”, organizado pelo Centro Diego Fabbri com apoio da Argo – Progettare l’Europa, associações culturais italianas. Durante oito dias, 46 millennials de Portugal, Espanha, Itália, Polónia, Roménia e Eslovénia, entre os 21 e os 30 anos, têm por missão discutir a importância que a sua geração atribui à política, às dimensões sociais e à forma como a última geração do século xx encara a mudança do mundo intelectual com a revolução tecnológica com que cresceram. E para onde caminham os media tradicionais e o que mudou no consumo de informação.

Marco Mastroeni, 28 anos, de Turim, é um dos organizadores do encontro em Forlì. Tudo começou quando organizou uma competição de textos dramáticos sobre a atualidade com alguns jovens de vários países europeus, na qual percebeu a vantagem de juntar pessoas de vários lugares, com diferentes contextos e culturas, para discutir problemas comuns. Ao ver o resultado, percebeu que gostava de repetir, mas seria difícil concretizar projetos do género e fazer chegar a mensagem aos jovens europeus sem uma rede maior. Foi então que decidiram aproveitar a possibilidade de financiamento deste tipo de atividades pelo programa Erasmus+, que além dos intercâmbios de estudantes apoia projetos de associações ou instituições interessadas na formação de adultos.

O pontapé de saída para o encontro em Itália – em que o i participa por estes dias a convite do Informal Group WEST -”Work Educate Study Train” – foi a preocupação com a geração deles, millennials adultos: estão cada vez mais ligados, mas ao mesmo tempo “desconectados” da participação política e social.

Marco Mastroeni, com formação e Comunicação e Gestão Artística, dá o exemplo italiano: sente que os jovens estão cada vez mais apáticos. “As manifestações populares passam ao lado da maioria dos jovens”, exemplifica, para explicar o que os move. “Queremos tentar trazer os mais novos para a participação pública. O Estado não é o inimigo, porque o Estado somos nós, mas é preciso sermos ativos para que ele mude.”

O problema, acrescenta, passa pela informação e pela necessidade de saber filtrar os conteúdos a que todos os dias têm acesso. “Preocupa-nos que os jovens não saibam consumir boa informação: estamos num período de produção massiva de conteúdo falso, é preciso aprender a não usar a informação errada”, explica. E é aí que entra a questão do “awareness”. E os meios, em mudança, de tomar consciência do mundo.

Geração informação

Os millennials foram os últimos a saber o que era o mundo antes da digitalização. Lembram-se das disquetes e do VHS. O DVD foi uma surpresa, transportavam CD em bolsas para todo lado e viram nascer o MP3. Assistiram à compressão massiva de dados em pen drives e discos externos, e acompanharam a transformação de documentos e livros em PDF e a banalização do download de filmes e discos. A tecnologia evoluiu a passos largos enquanto brincavam, saltavam à corda e jogavam ao pião. Mas como é que os miúdos de ontem e adultos de hoje lidaram com este desenvolvimento tecnológico? Será que sabem consumir informação de qualidade? “Esta é a geração mais educada e informada de sempre. Pensar que os jovens não têm interesse em notícias de qualidade é a coisa mais estúpida que ouço diariamente”, disse à CNN Blake Sabatinelli, gestor do grupo de media norte americano Newsy. Ainda assim, as audiências dos meios de comunicação tradicionais têm estado em queda.

Dos 7,4 mil milhões de habitantes do planeta, dois mil milhões são millennials, segundo o estudo mais recente do Pew Research Center, que abrange nesta geração os nascidos entre 1981 e 1997, ainda que a maioria dos sociólogos aponte para uma janela temporal entre 1985 e 1995.

Ciente do novo público, este ano, a CNN reuniu um conjunto de estudos sobre os novos desafios de consumo de informação. “Não só são um grupo maior, mas também consomem uma variedade mais ampla de meios de comunicação, em mais dispositivos, com maior frequência ao longo do dia, do que as gerações anteriores com a sua idade”, lê-se na introdução do trabalho divulgado pelo canal norte americano. Para a CNN, é notório que continuam a preocupar-se com as notícias. “Simplesmente consomem a informação de maneira diferente das gerações anteriores.”

Segundo a análise, quase 70% dos millennials recebem notícias diariamente. Pouco menos de metade têm o hábito de seguir pelo menos cinco tópicos diferentes de notícias ao mesmo tempo e 40% pagam pelo menos um serviço, aplicativo ou assinatura digital especializado em conteúdo noticioso.

A grande diferença está na forma “como consomem, interagem e compartilham notícias, que é muito diferente do público para o qual estávamos programados”, assume a CNN. “Talvez agora as empresas ainda não tenham a mistura certa de conteúdo, distribuição e mensagens para alcançar esse consumidor de notícias moderno”, explica. “Com millennials à mistura, precisamos de olhar para onde estamos agora e perceber o que temos de mudar para avançar. O consumo de notícias é mais imediato do que nunca, graças aos smartphones e aos vídeos em transmissão ao vivo nas redes sociais”, continuava a análise da CNN.

Os jovens reunidos em Forlì não estão tão otimistas com a capacidade de adaptação dos meios de comunicação nem com o interesse dos millennials em manterem-se informados pelas vias convencionais. “Temos tudo para sermos altamente informados, mas a verdade é que muita gente se perde. Somos uma geração cada vez mais burra e ignorante. As pessoas não foram educadas para saberem consumir boa informação e perdem–se com conteúdos de treta em websites muito maus” diz Sofia, de 21 anos. Natural de Coimbra e formada em Jornalismo, é uma das participantes no encontro. Na comitiva portuguesa está também Daniel, engenheiro de software, que defende que a partilha de informação é muito mais rica quando se dá de forma direta: “Não sou especialista na área da informação, mas a minha geração é privilegiada porque tem o mundo na ponta dos dedos. Mas estar aqui com cabeças reais a partilhar tudo na vida real é muito mais importante do que se eu estiver à procura de informação em dispositivos.”

“Não há nada como a informação que recebemos do contacto direto com as pessoas”, parece concordar, já numa mesa-redonda do encontro, Matija, jovem esloveno de 25 anos especialista em tecnologia ecológica.

O estudo de 2016 do Pew Research Center for Journalism and Media dá algumas pistas para análise: apenas 18% dos jovens entre os 19 e os 29 anos veem televisão e só 5% leem, enquanto nos adultos mais velhos 58% consomem informação através da televisão e 20% leem jornais. Por outro lado, aproximadamente 48% dos jovens inquiridos liam notícias online e, no caso dos restantes adultos, 40% usavam a net como fonte de notícias, o que não é uma diferença assim tão grande.

Os jovens parecem estar a querer sair do mundo virtual para se informarem no terreno, estando uns com os outros? Parece ser uma das pistas na cabeça dos embaixadores da Geração i reunidos em Itália, ainda que os motivos sejam negativos. “No fundo, é uma enorme confusão, não há como confiar em ninguém. Até os meios mais credíveis podem acabar a partilhar notícias falsas”, diz Kevin, italiano formado em Ciência Política. Resume uma espécie de deceção coletiva que leva os potencialmente mais informados de sempre a um lugar de ignorância que faz lembrar a dúvida clássica, que, ainda assim, é meio caminho para aprender alguma coisa. “Só sabemos que nada sabemos”, dizem.

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