Quando me imagino gira e grávida, no futuro, vejo-me a cantarolar para a minha barriga e a ensinar ao meu filho que deve sempre ouvir a sua mãe com muita atenção, mesmo que ela cante muito mal. Espreito pela janela, e olhem eu ali! A falar-lhe de sonhos, de vontade, de amor, do pai tão bonito que tem, de nós dois, agora que nos amamos ainda mais. Vejo-me a dissertar para uma barriga feliz e a aproveitar enquanto o meu futuro filho ainda não se tranca no quarto com a música aos berros e tem mesmo de ouvir o que lhe quero dizer.
Quando me imagino gira e grávida, no futuro, sei que estou a dizer àquele amor que cresce coisas bonitas e palavras doces, e que o inspiro a vir cá para fora com esperança. Mas não é só isso que vejo. Quando me imagino gira e grávida, no futuro, apercebo-me de que toco na minha barriga com as mãos firmes e lhe confesso: “Há uma coisa que tenho de te mostrar. Olha, este é o medo. Ele existe e tens de saber disso.”
Vejo-me a falar-lhe do medo porque não há como o esconder. O medo existe e eu quero que o conheça já, que o identifique, para depois ter menos medo. O medo existe em mim, que terei mais medo depois de o ter nos meus braços, o medo existe nele, que o sentirá e que chorará quando a bolha de conforto rebentar e nós lhe apresentarmos o mundo.
Porque esse próprio mundo tem muito medo. Porque vivemos num lugar assustado.
Quando me imagino gira e grávida, no futuro, visualizo-me a pôr as cartas na mesa – certamente para ensinar o puto a jogar à sueca porque a boa educação tem de ser dada logo no início, mas sobretudo para pôr as coisas como elas são. Sem artifícios. Quero que ele saiba por mim – porque sei que o direi com cuidado – que este mundo para onde ele virá é imperfeito e que eu gostava de ter um lugar melhor para o receber. Mas não tenho. Quero começar por lhe mostrar que não serei a mãe perfeita porque o ninho para onde ele vem também não o é.
Porque esse próprio mundo tem muito medo. Porque vivemos num lugar assustado.
Não quero aterrorizar o meu futuro filho talentoso e bondoso (olhem eu a intoxicá-lo já com as expetativas), mas quero que ele tenha noção do que irá encontrar. Não para o assustar, não para que me nasça cheio de defesas, mas para que aprenda a ver o mundo de frente, para que aprenda a reconhecer o mais feio. Acho que só assim se pode viver uma vida plena. Acho que só reconhecendo o inimigo se pode abraçá-lo com força – para ver se nos deixa em paz. Quero que ele saiba que as coisas não correm sempre bem, que não temos como prever os desgostos, que nem sempre terá aquilo que quer e o que medo fará parte de cada passo. Que no início da vida irá agarrar-se aos móveis com medo de cair mas, quando der por si, estará a correr pela casa a brincar aos carros e à apanhada e a pintar-me as paredes com lápis de cor.
“Quero que saibas que esse medo nascerá ao mesmo tempo que tu. Eu irei parir um filho, mas também automaticamente o medo, porque o medo vem alapado. Vem contigo. Porque se nasce com ele ao pé. E não, o medo não é o teu irmão gémeo, porque não é igual a ti. É uma coisa que se traz e com que terás de saber lidar. Terás de o contornar, terás de o compreender, mas nunca, nunca poderás alimentá-lo. Por mais tentador que possa ser oferecer-lhe biscoitos e leite, terás de o manter pequeno e controlado. Para que o medo nunca seja maior do que a tua vontade.”
Vou dizer-lhe tudo isso, com uma música de fundo bem calma, para que o meu futuro filho saiba que não enfrentará o medo sozinho. Que o faremos juntos com calma e sabedoria para que ele nunca nos impeça de construirmos sonhos.
Não estou grávida. Um dia, no futuro, espero estar. Anseio para que, até lá, o mundo tenha menos medo. Porque era um mundo diferente que eu queria apresentar aos meus filhos. Não era neste mundo assustado que me apetecia viver. Mas enquanto não encontrarmos outro lugar, é aqui que estamos e é aqui que teremos de dar o nosso melhor.
P.S. Farei a minha parte. Acabaram–se as brincadeiras com os sustos e os buhhhhh atrás das portas. Vou tentar não assustar mais o mundo. Porque esse próprio mundo tem muito medo. Porque vivemos num lugar assustado.
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