Sempre em português, com algum humor e bastante discurso protocolar.
A audiência da embaixadora do Reino Unido em Portugal, Kirsty Hayes, ontem, na comissão parlamentar dos Assuntos Europeus, foi marcada pelo tema agendado – a saída da União Europeia por parte dos britânicos – e pela novidade noticiosa: que Westminster vai a eleições antecipadas daqui a 51 dias (ver págs. 16-17).
No que ao Brexit diz respeito, Hayes oscilou entre o idealismo de não querer uma separação abrupta (“Não queremos um divórcio litigioso”) e o realismo de defender que os ingleses são os mesmos desde que votaram para sair, afirmando: “Não aceito o ponto de vista de que tenhamos mudado nos últimos nove meses.”
No perímetro mais sorridente, a diplomata revelou gostar do som do termo “Brexit suave” em português, considerando-lhe um “aspeto sofisticado”.
O português de Kirsty Hayes é, nesse sentido, mais percetível que o humor inglês, que sobrou até para citar o extrovertido secretário de Estado britânico, Boris Johnson, sobre doutrina europeia. “A minha política sobre bolo é a favor de comê-lo”, citou Hayes, diretamente da lista das mais conhecidas tiradas do líder da diplomacia britânica.
A embaixadora também buscou referências em Theresa May, a chefe de governo, reafirmando que a Grã-Bretanha pretende “uma nova parceria especial e profunda com a União Europeia”. “Apesar de sairmos da UE, não vamos sair da Europa”, recitou também. “Continuaremos um aliado” para o “nosso continente ser capaz de liderar no palco mundial.” A alusão plural (“nosso”) foi devidamente apreciada. A ideia de “não criar barreiras” idem, assim como a de os cidadãos “com talento” continuarem “a ser acolhidos”.
A ideia, diz Hayes, passa por “uma relação de futuro” em que “a boa vontade de todos é importante” – mais concretamente por “um acordo comercial mais ambicioso que o existente”.
“Não queremos roturas”, adiantou, falando de interesses “de ambas as partes” e de economias “interligadas”, mas também de política externa, defesa, ciência e investigação. Um Estado-membro de “saída” deve ter um acordo “justo”, sustentou, num apelo ao “economicamente racional”.
Sobre a relação bilateral com Portugal, Hayes trouxe dados. Das exportações portuguesas, 7,2% vão para o Reino Unido, leu, trazendo o histórico vinho do Porto para a mesa.
O deputado Vitalino Canas, do Partido Socialista, introduziu mais política no diálogo. Acerca da antecipação das eleições gerais britânicas, admitiu-se surpreendido, mas positivamente. “É bom do ponto de vista da negociação [entre Londres e Bruxelas] que haja um mandato fresco, com legitimidade”, sentenciando que “o governo britânico tem tido dificuldades nesse aspeto.”
Luís Pedro Mota Soares, do CDS–PP, disse respeitar a decisão do povo britânico, mas descreveu–a como uma má notícia para a UE, para Portugal e para o Reino Unido”. Ao i, o centrista previu que a negociação será “muito difícil”. Sobre a eventual relação entre o antecipar das eleições e o Brexit – que Hayes se escusou a comentar, não sendo “política, mas funcionária pública” –, Mota Soares atenta que “quem fez a ligação entre a antecipação da eleição e o Brexit foi a própria primeira-ministra” e que não está sozinha nessa visão, pois outros “representantes o dizem”. “A eleição não é irrelevante porque influenciará o decorrer das negociações, e isso obviamente interessa aos europeus”, conclui. Mais tarde, na audiência, Hayes também remeteria “para os dirigentes políticos da oposição” que aprovaram o pedido de eleições antecipadas.
Todos os grupos parlamentares representados na comissão questionaram a embaixadora sobre o aumento dos crimes de ódio contra imigrantes depois do referendo do Brexit. Kirsty Hayes garantiu que May “quer proteger os cidadãos” e uma solução para “ambas as comunidades”.
Inês Domingos, do Partido Social Democrata, contou ao i que se trata de “uma situação que nos preocupa muito”. “O Reino Unido tem uma legislação bastante avançada e acredito que o Estado não esteja a ignorar este problema”, terminou a parlamentar do PSD. Sebastião R. Bugalho