Geração i: Eles têm menos problemas com as drogas do que os pais

Geração i: Eles têm menos problemas com as drogas do que os pais


Têm hábitos de consumo de drogas diferentes dos pais e dos avós. A Geração i dedica esta edição à troca de experiências inebriantes entre gerações


Eles gostam da noite, gostam das conversas até às tantas, gostam de dançar sem parar e gostam de experimentar coisas novas, tal como os jovens de todas as outras gerações. As drogas não são novidade para a geração dos millennials, mas quem viveu os tempos mais negros do uso de substâncias ilícitas foram as geração anteriores à que teimamos chamar Geração i.

Em Portugal sabe-se que foi com a Revolução dos Cravos que as ondas de substâncias psicoativas começaram a inundar uma sociedade mal habituada no que à liberdade dizia respeito.

“O consumo de substâncias ilícitas em Portugal ganhou expressão depois do 25 de Abril e a grande diferença para com outros países europeus foi que muitos dos consumidores de então vieram a ter um uso problemático. Subitamente, as pessoas experimentavam e, quando davam por elas, estavam dependentes”, explica João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), que garante que o consumo de droga tem hoje um menor impacto na saúde individual e coletiva do que no passado.

No livro “LX 70”, de Joana Stichini Vilela, lê-se: “A novidade está na democratização. Se, antes do 25 de Abril, as drogas eram de acesso quase exclusivo a estrangeiros ou gente viajada, logo em 1975. o responsável da secção de narcóticos da Polícia Judiciária afirma que ‘o consumo tem aumentado assustadoramente’. Multiplicam-se os desvios das unidades de saúde e, a partir de meados de 1977, tornam-se vulgares os assaltos a farmácias.” Já na altura, os mais jovens tinham especial adoração pelas drogas sintéticas: “A juventude adora speeds, drogas legais consumidas de forma criativa.”

Orgia de sensações

“Naquele tempo vivíamos uma orgia de sensações, era impossível resistir, todos os dias chegavam novidades a Lisboa”, conta ao i Alverga, de 55 anos, agora emigrada, que experimentou do haxixe à erva, da coca à heroína, do LSD aos speeds:“Para nós era espetacular, proporcionava-se uma onda de experimentações, era o início da era dos concertos, era a camaradagem. O regime tinha acabado e nós fomos levando aquilo numa corrente de vontade de sermos iguais ao resto do mundo.”

Alverga explica que nunca houve falta de informação – não havia internet, mas sabia-se o que se estava a experimentar. A grande diferença entre gerações, na sua opinião, é que a dos pais dos jovens da sua geração não faziam ideia em que é que os filhos estavam metidos, não havendo noção de que se começavam a perder: “Estou a falar da minha visão, de alguém que sobreviveu a tudo isto e está a contar porque está viva, mas tive amigos meus que morreram de overdoses, de danos colaterais como a sida, pessoal que se meteu na prostituição, que se suicidou, que foi preso, que ficou louco. Agora, como tudo na vida, ao fazermos as experiências, há quem consiga passar pelas coisas de forma experimental, sem se deixar levar pela degradação, e a minha geração teve, penso eu, as duas partes. Era tudo perfeitamente consciente, só que os nossos pais nunca o tinham feito. Por isso, não conseguiam perceber os sintomas e o que andávamos a fazer. Os pais de hoje sabem porque muitos experimentaram; então, podem guiá-los.”

João Goulão, especialista no cenário português, confirma: “É verdade que há muito consumo hoje em dia, mas os impactos na saúde pública são muito menores do que noutras alturas. É uma geração mais aberta, o que é uma das grandes diferenças, também ocasionada pelo facto de o consumo ter deixado de ser considerado um crime. Há uma maior abertura para discutir o assunto em muitos contextos, desde o familiar ao laboral e às escolas. As pessoas falam mais abertamente e pedem ajuda com muito mais facilidade. A evolução continua a ser globalmente positiva.”

Goulão elucida que “hoje em dia há muito consumo que não conduz necessariamente à dependência. É uma geração muito informada, os problemas ocasionados por drogas são percentualmente muito inferiores aos que ocorriam há 20 anos”.

O álcool também é droga

Entre todas as gerações, “a canábis sempre foi, de longe, a substância ilícita mais consumida, a seguir ao álcool, que é lícito”, conclui. José Henrique dos Santos, psicólogo clínico e um dos autores do Plano Nacional de Prevenção de Suicídio, descreve a alteração de consumos: “A grande mudança é que, nas duas gerações mais recentes (millennials e geração Z) há um consumo muito de grandes volumes e quantidades de álcool num tempo muito reduzido, o conhecido binge drinking. Hoje em dia utiliza-se muito este padrão e é por isso que existem os shots, que são autênticos tiros na cabeça. Em relação às gerações anteriores, o padrão de consumo era diferente. Era um padrão que normalmente assentava em quantidades diárias, com um consumo mais regular, mas mais contido. Mesmo com o tabaco vê-se este padrão: não fumam, mas ao fim de semana desforram-se, comportamentos típicos das culturas do norte da Europa.”

 

As estatísticas comprovam

De acordo com o Instituto Nacional sobre o Abuso de Drogas (NIDA), nos Estados Unidos da América, os millennials realmente usam menos drogas e menos álcool do que os seus pais. O uso de drogas entre adolescentes diminuiu mais de 34% entre 1993 e 2013, um período de tempo crucial que abrangia a adolescência de quase todos os pertencentes à geração millennial.

Em Portugal, os dados também confirmam essa realidade e ainda apontam para que a tendência se mantenha para as próximas gerações. As conclusões constam do European School Survey Project on Alcohol and other Drugs (ESPAD), feito entre 2011 e 2015 junto de alunos que completaram 16 anos no ano da recolha de dados.

Relativamente às drogas, a percentagem de alunos que até aos 16 anos já tinham experimentado está a estabilizar: 16% em Portugal (18% média europeia), sendo a canábis a mais experimentada, e a mais consumida no último ano e no último mês.

 As novas substâncias psicoativas são mais consumidas em alguns países do que “outras drogas”, sendo a média europeia de experimentação de 4% e, em Portugal, apenas 1%.

Também o consumo de álcool e tabaco entre jovens até aos 16 anos tem vindo a diminuir na Europa, com Portugal a situar-se abaixo da média europeia, mas ainda assim com consumos elevados de bebidas alcoólicas.