Nada é simples


Reuniram os habitantes na fonte, arrancaram as raparigas dos braços das mães, abateram as que resistiram, colocaram os rapazes e as raparigas numa carrinha. Quando Nadim, a irmã Ayala e o irmão Khalid olharam para trás, viram os pais deitados no chão, numa poça de sangue


Pode um terrorista ser uma vítima? Refém e assassino? Criança e assassino? Em Dschamdschamal, a tenebrosa prisão que foi câmara de tortura durante o regime de Saddam Hussein e, posteriormente, onde os americanos detiveram presos de Abu Ghuraib, procura-se uma resposta.

Nadim tem 13 anos e teve nove quilos de explosivos amarrados ao corpo. Falhou um atentado em Kirkuk; o seu irmão Khalid, de 12 anos, outra criança-bomba, morreu nesse dia. Soldado involuntário do califado. 

A cela de Nadim fica no final de um corredor, 1,8 metros de largura, 2,5 metros de comprimento. Sem janela. Só há espaço para uma cama. Quem como jornalista quer conversar com o adolescente tem de passar por seis checkpoints de segurança, soldados com armamento pesado, muros altos com arame farpado e duas portas blindadas.

Cento e cinquenta homens, assassinos, serial killers e, desde há semanas, uma criança estão ali detidos.

Muitos terão visto na televisão curda, nas notícias da CNN ou nas páginas dos jornais a imagem de um miúdo, meio nu, em pânico e a chorar. Segurado por soldados que o libertaram do colete de explosivos. 

Depois, Nadim desapareceu das notícias e ninguém se interessou pela sua história.

Vivia com os pais e irmãos em Dijala, numa casa tradicional de pedra e lama rodeada por palmeiras e romãzeiras. Partilhava o quarto com o irmão e estava na terceira classe. 

Uma noite, no inverno de 2015, duas carrinhas pick-up chegaram à sua aldeia. Armados e com as bandeiras negras e brancas da Chahada. Reuniram os habitantes na fonte, arrancaram as raparigas dos braços das mães, abateram as que resistiram, colocaram os rapazes e as raparigas numa carrinha. Quando Nadim, a irmã Ayala e o irmão Khalid olharam para trás, viram os pais deitados no chão, numa poça de sangue.

Em Mossul, as raparigas foram separadas dos rapazes – a mais nova tinha oito anos, a mais velha 16. Iriam “servir os combatentes do Daesh e ser mães dos seus filhos”. 

Os irmãos juntaram-se a 70 outras crianças-soldado, dormiam no chão e foram ensinados a degolar. Primeiro treinaram com bonecos de pano vestidos com macacões cor de laranja, depois em animais. Houve quem tentasse a fuga e fosse apanhado. A punição ? Mãos ou pés cortados e atirados do alto de uma torre.

“Eu nunca quis matar”, diz em voz baixa Nadim. No verão de 2016 recebeu a ordem: iria morrer como bombista-suicida em Kirkuk. Os homens do Daesh treinaram com ele vezes sem conta, como numa coreografia, o atentado. Quando chegou o dia, os irmãos Khalid e Nadim foram armadilhados com explosivos. O mais velho vestia uma t-shirt da seleção portuguesa com a inscrição “Ronaldo”, Nadim uma t-shirt larga com o nome de Messi.

Às 19h33 daquela noite de agosto explodia em Kirkuk, perto de uma das maiores mesquitas da cidade, uma criança de nome Khalid vestido com uma camisola a dizer “Ronaldo”.

Noutra parte da cidade, Nadim fugiu do lugar onde lhe tinham ordenado que se fizesse explodir. Sobreviveu. “Eu nunca quis matar.”

 

Escreve à segunda-feira


Nada é simples


Reuniram os habitantes na fonte, arrancaram as raparigas dos braços das mães, abateram as que resistiram, colocaram os rapazes e as raparigas numa carrinha. Quando Nadim, a irmã Ayala e o irmão Khalid olharam para trás, viram os pais deitados no chão, numa poça de sangue


Pode um terrorista ser uma vítima? Refém e assassino? Criança e assassino? Em Dschamdschamal, a tenebrosa prisão que foi câmara de tortura durante o regime de Saddam Hussein e, posteriormente, onde os americanos detiveram presos de Abu Ghuraib, procura-se uma resposta.

Nadim tem 13 anos e teve nove quilos de explosivos amarrados ao corpo. Falhou um atentado em Kirkuk; o seu irmão Khalid, de 12 anos, outra criança-bomba, morreu nesse dia. Soldado involuntário do califado. 

A cela de Nadim fica no final de um corredor, 1,8 metros de largura, 2,5 metros de comprimento. Sem janela. Só há espaço para uma cama. Quem como jornalista quer conversar com o adolescente tem de passar por seis checkpoints de segurança, soldados com armamento pesado, muros altos com arame farpado e duas portas blindadas.

Cento e cinquenta homens, assassinos, serial killers e, desde há semanas, uma criança estão ali detidos.

Muitos terão visto na televisão curda, nas notícias da CNN ou nas páginas dos jornais a imagem de um miúdo, meio nu, em pânico e a chorar. Segurado por soldados que o libertaram do colete de explosivos. 

Depois, Nadim desapareceu das notícias e ninguém se interessou pela sua história.

Vivia com os pais e irmãos em Dijala, numa casa tradicional de pedra e lama rodeada por palmeiras e romãzeiras. Partilhava o quarto com o irmão e estava na terceira classe. 

Uma noite, no inverno de 2015, duas carrinhas pick-up chegaram à sua aldeia. Armados e com as bandeiras negras e brancas da Chahada. Reuniram os habitantes na fonte, arrancaram as raparigas dos braços das mães, abateram as que resistiram, colocaram os rapazes e as raparigas numa carrinha. Quando Nadim, a irmã Ayala e o irmão Khalid olharam para trás, viram os pais deitados no chão, numa poça de sangue.

Em Mossul, as raparigas foram separadas dos rapazes – a mais nova tinha oito anos, a mais velha 16. Iriam “servir os combatentes do Daesh e ser mães dos seus filhos”. 

Os irmãos juntaram-se a 70 outras crianças-soldado, dormiam no chão e foram ensinados a degolar. Primeiro treinaram com bonecos de pano vestidos com macacões cor de laranja, depois em animais. Houve quem tentasse a fuga e fosse apanhado. A punição ? Mãos ou pés cortados e atirados do alto de uma torre.

“Eu nunca quis matar”, diz em voz baixa Nadim. No verão de 2016 recebeu a ordem: iria morrer como bombista-suicida em Kirkuk. Os homens do Daesh treinaram com ele vezes sem conta, como numa coreografia, o atentado. Quando chegou o dia, os irmãos Khalid e Nadim foram armadilhados com explosivos. O mais velho vestia uma t-shirt da seleção portuguesa com a inscrição “Ronaldo”, Nadim uma t-shirt larga com o nome de Messi.

Às 19h33 daquela noite de agosto explodia em Kirkuk, perto de uma das maiores mesquitas da cidade, uma criança de nome Khalid vestido com uma camisola a dizer “Ronaldo”.

Noutra parte da cidade, Nadim fugiu do lugar onde lhe tinham ordenado que se fizesse explodir. Sobreviveu. “Eu nunca quis matar.”

 

Escreve à segunda-feira