Brexit. No turning back

Brexit. No turning back


Oficialização do pedido de saída dos britânicos da União Europeia inaugura um ciclo infernal de dois anos de negociações. Todos querem um acordo, mas não é líquido que o consigam


Theresa May prometeu e cumpriu. Hoje ao final da manhã, Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu recebeu das mãos de Tim Barrow, representante de Londres em Bruxelas, a tão aguardada carta do governo britânico, com vista à formalização do pedido de abandono do Reino Unido da União Europeia, dentro do prazo definido pela primeira-ministra. Com este simbólico gesto, que resulta de um moroso período de 9 meses, iniciado com o voto favorável  ao Brexit, de 51,9% dos que participantes  no referendo à permanência na UE, do dia 23 de junho de 2016,  fecha-se um ciclo e inaugura-se outro.

Se o primeiro teve como guião a demanda do governo britânico em conquistar, internamente, a legitimidade política necessária para acionar o artigo 50º do Tratado de Lisboa, o segundo assentará num verdadeiro braço-de-ferro entre May e os (ainda) parceiros europeus, com vista à obtenção de um acordo final, no qual todos os envolvidos terão, eventualmente, mais a perder, do que a ganhar.

Os tempos que se avizinham não serão, portanto, fáceis. As partes em negociação terão até ao dia 29 de março de 2019 para selar um compromisso – ou sair de mãos a abanar – que abranja, idealmente: um regime de transição que prepare a entrada em vigor das disposições finais; um estatuto definido para os europeus residentes no Reino Unido e para os expatriados britânicos espalhados pela Europa; o valor da fatura que Londres terá de pagar – fala-se num valor próximo de 60 mil milhões de euros, ao qual o governo britânico torce o nariz -; uma solução para a fronteira terrestre entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda; um compromisso de cooperação em matéria de segurança e partilha de informações; e um novo acordo comercial – que os britânicos querem fechar já, mas que os restantes 27 Estados-membros dificilmente negociarão antes de 2019, conforme constava de uma resolução vazada ontem, oriunda do Parlamento Europeu.  

A consciência destas e de outras barreiras não convida, pois, a grandes festejos e as primeiras reações dos principais responsáveis políticos que vão liderar o processo, confirmaram isso mesmo. “Não vejo qualquer necessidade em fingir que hoje [ontem] é um dia feliz, quer em Bruxelas, quer em Londres”, defendeu Tusk, citado pelo “Guardian”, já em posse da carta de seis páginas, endereçada a partir do nº 10 de Downing Street, que resume as 12 prioridades de negociação do executivo britânico e a opção pelo “hard Brexit”, que May já tinha apresentado em janeiro. “Afinal, a maioria dos europeus, incluindo quase metade dos eleitores britânicos, desejaria que permanecêssemos juntos e não separados”, justificou o polaco. Do lado de Londres, mesmo tendo realçado o “momento histórico do qual não se poderá voltar atrás” e celebrado “o retomar do controlo daquilo que é mais querido para os britânicos”, a primeira– ministra não deixou de anuir, numa sessão plenária na Câmara dos Comuns, esta quarta-feira, que o acionar do artigo 50 nunca deixará de ser “um momento de desapontamento” para muita gente.

Debate interno

Para além de possibilitar a intervenção da líder do governo do Reino Unido que liderará o processo de abandono da União, quarenta e quatro anos volvidos desde a sua adesão ao clube, a conversa com os deputados na câmara baixa de Westminster serviu igualmente para os principais partidos da oposição transmitirem os seus estados de alma sobre o caminho daqui para a frente. Jeremy Corbyn, do Labour Party, até prometeu apoiar a primeira-ministra, durante as negociações, se esta repensar a intenção pelo abandono do Mercado Único e a “proteção dos direitos dos trabalhadores britânicos”, numa lógica de representação “do país inteiro e não apenas de alguns”. Já o líder dos Liberais Democratas não gostou das palavras do trabalhista e acusou o partido de centro-esquerda de estar a compactuar com o que considera ser “um salto para o abismo”. “É uma  tragédia que o Labour esteja a ajudar os conservadores a causar tantos danos ao nosso país”, lamentou Tim Farron.

Quanto ao Partido Nacional Escocês (SNP) – que na terça-feira aprovou, com os Verdes, a proposta de Nicola Sturgeon, no parlamento regional de Hollyrood, com 69 votos a favor e 59 contra para se dar início ao pedido de realização de um novo referendo à independência -, voltou a deixar bem claro que este é o “momento certo” para consultar os escoceses sobre a permanência no Reino Unido. “Passados nove meses desta abordagem da primeira-ministra para o Brexit, a Irlanda do Norte está bloqueada, os galeses estão alienados, a Escócia vai avançar para um referendo, os ingleses estão divididos ao meio, e os deputados ‘brexiteers’ estão a abandonar as comissões dos Comuns, uma vez que não gostam de verdades incómodas. Terá a primeira-ministra considerado, na altura de invocar o artigo 50, que também não era o momento certo?”, questionou Alex Salmond, porta-voz do partido para os assuntos externos, citado pela BBC. 

Na altura de se despedir dos jornalistas em Bruxelas, Donald Tusk confessou “já sentir saudades do Reino Unido”. E se é verdade que, nas palavras de May, “there is no turning back (“não há como voltar a atrás)”, a montanha de obstáculos que se apresenta à sua frente, dentro e fora de portas, é um auxiliar de memória bem útil e pragmático. Afinal, o Reino Unido ainda não saiu do mesmo sítio.