O novo Bloco


A Catarina de hoje é diametralmente oposta à Catarina de 2010. A Catarina de hoje cuida mais da imagem, apresenta-se aos portugueses como garante da estabilidade governativa


Desde sempre que a generalidade da análise e do comentário político rotulou o Bloco de Esquerda como o partido das causas fraturantes, cimentado numa elite urbana académica, desencontrada da esquerda partidária tradicional, cujo principal objetivo na intervenção consistia no aproveitamento de um buraco eleitoral, fundamentalmente preenchido por jovens, órfão de real representação dos partidos ditos do sistema.

É evidente que o Bloco desses tempos existiu. Mas foram tempos de afirmação popular, da sua génese e que não mais serviram para os posicionar no mapa da esfera partidária, que obrigava necessariamente a uma intervenção que não os tornasse outro PCP ou uma espécie de Partido Socialista mais vanguardista, mas que o imperdoável tempo acabaria por aglutinar. Por isso, o Bloco não é, ao contrário do PCP, um partido fortificado em sindicatos e nalgum poder autárquico. O reduto do Bloco está na comunicação social, onde inovou com reconhecido sucesso uma certa forma de estar ao conteúdo político, e está nos bancos das universidades onde, em faculdades de renome como o ISEG e o ISCTE, as suas elites doutrinam.

O Bloco não é um partido genuinamente do povo. E não o é conscientemente. É antes um partido de elites, sobretudo académicas, que, como qualquer elite, goza de uma espécie de magistratura de influência sobre o cidadão comum, sobretudo aquele que, ainda sem grande definição política mental, mas em certa medida descrente do dito “sistema”, como é o caso dos jovens, especialmente universitários, está recetivo e vulnerável a novas abordagens e novas formas de intervenção.

O Bloco não quer ser um partido de disputa de poder, como é o objetivo primacial de PSD e PS. O Bloco concentra-se em ser um partido que condiciona o poder. E essa sua condição ganhou, evidentemente, força com o aclaramento ideológico, talvez o mais profundo desde a Revolução dos Cravos, que o nosso país sofreu com a crise de 2011 e o consequente período de assistência financeira.

A Catarina de hoje é diametralmente oposta da Catarina de 2010. A Catarina de hoje cuida mais da imagem, apresenta-se aos portugueses como garante de estabilidade governativa e como farol contra as tentações do “centrão” que aqui ou ali possam surgir. O Bloco persiste numa estratégia de rutura com esta Europa, com estas regras financeiras que, por via da representação democrática, aceitámos, num discurso chamativo e com sentido para todos aqueles que sofreram na pele a crise. Mas ao mesmo tempo condiciona, valida e imprime a sua doutrina na governação do país e das principais instituições.

Catarina, com a tutoria de Louçã, entendeu bem o erro do próprio quando recusou, nas eleições de 2009, a mão que José Sócrates, sem maioria, lhe estendeu para um acordo governativo. Foi uma lição que poderia ter custado a vida ao Bloco mas, como já referi, as circunstâncias de 2011 a 2015 acabaram por ditar o contrário. O Bloco, de partido-pirata, quero com isto dizer “fora do sistema”, passou a partido-barreira. Um partido com quem aqueles que governam obrigatoriamente têm de contar. Hoje, o PS; amanhã, inevitavelmente, o PSD. Basta perceber a oscilação do voto jovem entre PSD e BE para se perceber isso.

A sua estratégia, aliada aos erros do regime, ditou isso mesmo. Hoje, o Bloco está a inserir os seus quadros na administração pública e nas principais instituições. Já conta com um conselheiro de Estado e, mais recentemente, com um consultor do Banco de Portugal. Está a entrar paulatinamente no sistema. No sistema que conta e que garantirá a sua sobrevivência.

A entrevista de Catarina Martins ao “DN” em que faz apelo à substituição do governador do Banco de Portugal não é nada inocente. Depois da nomeação de Louçã para consultor do banco central português, a substituição do governador é um imperativo político para o BE. Toda a sua estratégia de rutura com as instituições europeias que ajudámos a aprofundar passa por aqui. Pela ocupação dos lugares-chave. Quem tanto se deleita com os fenómenos da ascensão e da perigosidade do populismo, é bom que ponha os olhos na eficácia do Bloco com a passividade do PS moderado e europeu.

Deputado. Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Escreve à segunda-feira