O caso da Caixa Geral de Depósitos corresponde ao grau máximo de degradação das nossas instituições. É absolutamente inaceitável que um ministro, para contratar um gestor para a CGD, aceite fazer um diploma à medida desse gestor, elaborado pelos advogados do mesmo. Mas ainda é mais espantoso que depois esse diploma seja aprovado em Conselho de Ministros, promulgado pelo Presidente da República e referendado pelo primeiro-ministro, dizendo todos eles depois que ninguém fazia ideia do que se pretendia.
Ora, o preâmbulo do decreto-lei 39/2016 diz expressamente que se impõe “um ajustamento do estatuto dos titulares dos órgãos de administração que seja apto para alcançar o objetivo de maior competitividade das instituições de crédito públicas, sem perda de efetividade do controlo exercido sobre os respetivos administradores, preocupação que se encontra acautelada pela regulação hoje aplicável a qualquer instituição de crédito”. É difícil ser mais claro quanto ao objetivo de tratar os gestores da CGD como simples gestores privados, ainda que manifestamente essa intenção tenha saído frustrada.
Quando se viu que era impossível conceder aos gestores da CGD a isenção solicitada de entrega das declarações ao Tribunal Constitucional, os políticos envolvidos nesta história resolveram dar o dito por não dito, lavando as mãos do assunto e atirando os gestores da CGD à turba furiosa. Estes passaram assim a ser os maus da fita, que fizeram exigências de algo que nunca lhes tinha sido prometido. Mas como os mesmos não têm vocação para mártires, apresentaram prova irrefutável da promessa que lhes tinha sido feita.
Perante isto, Mário Centeno passou a ser o novo bode expiatório de toda esta história, assumindo um “erro de perceção mútuo”. Marcelo, que até agora tinha andado em namoro com o governo, exigindo “documentos escritos” para prova do compromisso, resolveu na véspera do Dia dos Namorados fazer um comunicado que é um verdadeiro massacre de S. Valentim para Centeno, que só se manteria no cargo por decisão do Presidente. Mas a seguir veio declarar, “Assunto encerrado. Ponto final, parágrafo”, o que o primeiro-ministro logo secundou. E para encerramento do assunto, a maioria de esquerda veio logo assegurar que o inquérito parlamentar à CGD não se pronunciasse sobre esta questão.
Quanto ao decreto-lei 39/2016 – aliás, um magnífico diploma, elaborado e promulgado com elevado sentido de Estado –, esse nunca existiu.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira