Li uma entrevista feita ao Gonçalo Diniz (ator português, sobrevivente de cancro) em que ele conta que mudou os seus hábitos alimentares com a convicção de que, alimentando-se melhor, será garantidamente mais saudável. O Gonçalo disse uma frase que me marcou e que talvez tenha sido responsável por aquilo que senti e fiz a seguir: “Não vou ter mais cancro.”
Naturalmente, o Gonçalo não consegue adivinhar o futuro e não pode prever o que a vida lhe reserva, mas o que ele quis transmitir foi que, pelo menos, está a fazer a sua parte – e que grande parte. Tendo noção da importância brutal da alimentação nas doenças cancerígenas, bastou-lhe o susto para mudar radicalmente a forma como se alimenta. E digam o que disserem, mudar um hábito é dos atos mais corajosos e difíceis. No meu caso, por exemplo, há 26 anos que tento acabar com o costume de roer as unhas e, além de ainda não ter conseguido parar, quase já me falta meio dedo mindinho. É difícil mudar.
Sei perfeitamente que o Gonçalo tem toda a razão – ando nesta jornada há um tempo – mas, não sei porquê, nunca consegui mudar os meus maus hábitos alimentares com empenho. Nunca abdiquei dos doces (uma vez estive cinco dias sem ingerir açúcar e juro que não foi bonito de se ver…) e mesmo tendo, de vez em quando, grandes crises de consciência, foram sempre estados de espírito momentâneos, fugazes. Nunca foram suficientes ao ponto de me fazerem agir, de forma responsável, continuamente. O pior desta minha insubordinação é ter vivido na prática, na pele, a influência gigante da alimentação na vida de alguém. O meu Careca Power decidiu, a dado momento, usar a alimentação como A base da sua recuperação. Apaixonou–se pela Terapia de Gerson – é um tratamento natural baseado na alimentação – e foi uma loucura. Quando se muda a alimentação desta forma (no nosso caso, transformámo-nos numa central armazenadora de legumes e frutas), não é só a rotina que é alterada. Acho que até a nossa forma de ser muda. Passámos a olhar para os alimentos como curativos, temos uma noção diferente do nosso corpo, do nosso sangue, tornamo-nos conscientes das nossas próprias células e quase capazes de as ver. No caso dele, apesar de não ter sido suficiente para ainda estar aqui connosco, melhorou (muito!) a sua qualidade de vida. Ficou inclusive sem as dores que o acompanhavam há demasiado tempo e, mais do que isso, sentiu-se dono do seu corpo e das suas escolhas, tornou-se um agente ativo da sua história. Viveu saudável mesmo estando doente.
Depois de ler a entrevista do Gonçalo vieram todas estas memórias. Relembrei-me de como era mágico o ato de comer, de como era lúcida em mim a responsabilidade das nossas ações. Mas depois veio a leviandade de ser gente. Ando aqui armada em saudavelzinha porque o cancro já passou e “lá lá lá”, como se ele não pudesse voltar.
Pode, Marine, pode. Ao invés de teres pesadelos noturnos e de seres a típica hipocondríaca que apenas geme “ai, ai” mas nada resolve, faz-te à vida. Põe-te a mexer e põe-te a comer bem. Faz o funeral ao derretido chocolate suíço que tens aí no frigorifico e com quem flirtas à noite; não sejas obcecada pela carne de porco do teu pai (“gostas mais do pai ou da mãe?” “CARNEEEEEEE!”); deixa de pensar, por um dia que seja, em pratos italianos; abandona os hambúrgueres no altar e bebe água não só quando estás a desidratar!
Ufa, Marine, só aprendes aos berros. Não deverias precisar que te relembrassem, deverias ter a coragem suficiente para seres o melhor para ti.
“Não vou ter mais cancro”, disse-o a mim mesma quando li o artigo. Peguei no meu entusiasmo (estamos todos a rezar para que não seja momentâneo) e fiz um apelo na página do Cancro com Humor: ajudem-me a comer melhor. Nesse mesmo dia, além dos comentários e dicas valiosas, recebi uma mensagem do Gustavo, que partilhou comigo várias receitas saudáveis.
Percebi que tinha de começar a mudar nesse dia, nesse almoço. Peguei no meu rabo preguiçoso, fui às compras e, depois de três horas de volta das batatas-doces (yap, nunca tinha cozinhado batata-doce), saiu isto: uma sopa de abóbora e couve, um puré de batata-doce (comi--as meio cozidas, meio cruas, vá…) misturado com alho-francês e cebola picada, acompanhado com cogumelos frescos, envolvidos em cenoura ralada e açafrão.
Cada garfada teve um impacto diferente do habitual em mim. Em primeiro lugar, porque demorei tanto tempo a fazer algo tão simples e isso é coisa que não se esquece …, depois porque me senti verdadeiramente orgulhosa por ter feito algo positivo pelo meu corpo, por mim.
“Não vou ter mais cancro” – só mesmo se a vida for parva e não tiver noção de que já me chateou que chegue.
Obrigada, Gonçalo, por me relembrares.
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