O desafio de Donald Trump


Não tenho dúvida dos perigos, mas também das oportunidades, gerados pela chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos


A eleição e a tomada de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, bem como as suas primeiras semanas de governo, estão a provocar um enorme alvoroço em todo o mundo e os governantes, os comentadores e os meios de comunicação do planeta já afirmaram quase tudo e o seu contrário acerca da influência global das decisões do novo presidente. O que resulta, infelizmente, de se olhar bastante mais para a personalidade controversa deste empresário feito presidente do que para a qualidade das democracias e dos governos para resistir às previsíveis ameaças, bem como para a necessidade de instituições que governem a globalização. De facto, o sucesso de Trump é o resultado da fraqueza da maioria dos governantes do nosso tempo para responder de forma adequada às necessidades e aos anseios dos cidadãos, bem como o vazio de poder, nomeadamente do poder de decisão, das democracias.

Não duvido de que, como presidente do país mais poderoso do mundo, Donald Trump seja um homem perigoso, nomeadamente no plano militar, mas duvido que a confusão que se está a deixar criar como resultado da governação fraca e populista das principais democracias seja a melhor forma de lidar com o assunto. Por isso, as reações e as preocupações da opinião pública mundial dirigem-se principalmente para as questões do folclore comunicacional de Donald Trump, nos temas sociais relativamente menos importantes, como a imigração ou o clima, onde cada país é livre de seguir as suas próprias convicções, temas em que as instituições americanas são, por si só, suficientemente fortes para corrigir quaisquer desvarios. Ao mesmo tempo, estão a deixar sem resposta os desafios em que Donald Trump pode ser realmente perigoso, como o equilíbrio geoestratégico ou a liberdade de comércio.

Resulta assim que os diferentes governos dos países democráticos, nomeadamente da União Europeia, terão toda a vantagem em concentrar a sua atenção nas alterações económicas, e principalmente militares, que o novo presidente norte-americano possa introduzir na governação global. E, nesse domínio, as posições de Donald Trump são relativamente claras: admira os fortes e detesta os que considera fracos, como é o caso, por exemplo, da União Europeia. Por isso, os seus aliados naturais são os países militarmente mais fortes – Rússia, Inglaterra, Israel e, possivelmente, a Turquia –, relações que utilizará para isolar, económica e militarmente, a China, o seu inimigo principal.

Penso que não será suficientemente louco para desejar a guerra, mas acredito que utilizará uma maior projeção do poder militar norte americano do que aconteceu no passado mais recente, para obter efeitos favoráveis na economia e, porventura, no terrorismo. Afastar-se-á, portanto, da tradição dos Estados Unidos de contenção e de intervenção militar destinada à defesa das democracias, o que torna a NATO uma questão central da nova presidência, nomeadamente para a Europa, onde os partidos radicais de esquerda deveriam repensar as suas posições, tornadas agora mais difíceis de justificar.

Na economia, as propostas contraditórias de Donald Trump não se compadecem com a realidade económica dos próprios Estados Unidos, nem possibilitam alterações atingíveis pela negociação com os outros países. Em grande parte, as suas ideias vão em sentido contrário à evolução económica mundial. Por isso, assistiremos certamente a muitas decisões unilaterais, nomeadamente em setores limitados, como na energia e na indústria mais tradicional, ou a sua presidência seria rapidamente um enorme fracasso.

É previsível que o novo presidente vá ter algumas dificuldades internas e também externas, e, entre estas, a Rússia de Putin não vai ser um parceiro fácil, restando saber que cedências serão feitas do lado americano – cedências que podem ser perigosas, em particular para a Europa. No plano interno, os meios de comunicação serão um problema permanente para Trump e não vejo que as redes sociais constituam um instrumento suficientemente forte e duradouro para superar essa dificuldade, em particular quando passar a primeira fase de encantamento de muitos americanos. Também os novos setores da indústria avançada e dos serviços serão um obstáculo acrescido, porque não acredito que a nova política protecionista anunciada para a economia americana possa contrariar a importância das tecnologias americanas nas suas relações com o exterior sem uma enorme controvérsia interna, e também porque as suas políticas neste campo da economia permitem uma maior resistência dos outros países em todo o mundo.

A grande incógnita nesta equação é a forma como a China reagirá em presença de alterações da política externa americana, económica e militar, que contrarie os interesses chineses no mundo e a sua estratégia longamente delineada. Neste ponto, não posso deixar de recordar a tese chinesa de que a China é um país suficientemente grande e populoso para poder sobreviver a uma guerra nuclear. Não é provável, mas todos sabemos como, na história dos povos, o improvável se torna subitamente real.

Em resumo, não tenho dúvida dos perigos, mas também das oportunidades, gerados pela chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Por isso, em vista das fragilidades e dos vícios dos governos democráticos um pouco por todo o mundo, confio principalmente no povo americano e na qualidade das suas instituições democráticas para controlar o que de mal possa resultar desta nova presidência, com base na convicção de que é pela qualidade da democracia que melhor poderemos manter a paz e vencer as crises – convicção que, no plano nacional, está inscrita no manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”.