Sócrates 2010 versus Galamba 2017 e o complexo da meia verdade


Há uma intrínseca relação disruptiva na análise que o Partido Socialista faz entre a realidade dos factos e a sua perceção. 


Desafogar a responsabilidade de Portugal, e do seu governo, da vulnerabilidade dos riscos sistémicos da política económica europeia, onde nos inserimos, é uma espécie de adaptação lírica da realidade reveladora de um certo complexo inibitório em se assumir a verdade tal e qual como ela é. 

A declaração do porta-voz do PS, João Galamba, na qual isenta responsabilidades do governo na subida dos juros da dívida é, para além de despeitosa, um tanto ou quanto risível. “Olhar para os juros e culpar o governo não é muito diferente de olhar para a tempestade e culpar a homossexualidade ou drogas” é uma forma pueril de contar apenas o lado que interessa da história. Uma meia verdade para evitar a inconveniência da verdade completa. 

Ora, se Galamba esgotou em tweets e declarações públicas a justificação da sua meia verdade, sendo evidente que uma economia como a nossa, integrante de um espaço económico comum, porém endividada e estruturalmente frágil, está, por conseguinte, mais exposta aos choques externos, é importante também referir a outra parte da verdade cuja relação com o governo que apoia é absoluta e inquestionável, mas que este sempre prestável porta-voz não refere – resta saber se deliberadamente ou por convicção. 

Neste contexto, a estratégia orçamental é igualmente decisiva para a definição do limbo em que nos encontramos. É sabido que Portugal tem uma das dívidas públicas mais elevadas do mundo em comparação com a riqueza gerada pelo país, e este resultado advém dos elevados níveis de endividamento (público e privado), e que o seu crescimento económico, parco e amplamente revisto face a todas as previsões socialistas, é manifestamente insuficiente para garantir a sustentabilidade deste rumo. Note–se que o Banco de Portugal já prevê que o crescimento económico até 2019 será inferior ao registado em 2015. 

Ora, do lado de cá, ou seja, do governo e das suas políticas, apesar de todo um foguetório de reversões e devoluções que, na prática, se revelam um tanto ou quanto imaginárias, era necessário vislumbrar-se um caminho que contrabalançasse a inevitável exposição aos riscos externos. 

Não chega propalar o cumprimento das metas do défice, como se de um milagre se tratasse, se ele assenta sobretudo em receitas extraordinárias que têm inequivocamente uma dimensão temporal imediata, na redução do investimento público – essa máxima patriótica exclusiva da esquerda -, num “perdão fiscal” e num aumento de impostos, como, de resto, se começou já a sentir. 

Afinal de contas, para que serve um governo, seja ele qual for, se a sua saúde económica estiver exclusivamente dependente de fatores externos? Se há assim tantos riscos externos, e existem de facto, como conta a meia verdade de Galamba, não devia o governo ser prudente e fazer o necessário para defender o país desses riscos? 

Devia, claro. É aqui que a meia verdade esbarra com a verdade completa. É aqui que o PS e o seu porta-voz apenas contam o que lhes convém. Não chega dizer que se está confiante. Sobretudo quando os tais riscos externos mostram uma tendência de agravamento face às incertezas político-económicas dos principais Estados europeus. 

É verdade que estamos longe dos 7% de juros de dívida pública que nos lançaram num resgate financeiro. Mas também é verdade que hoje, neste contexto, os 4% que registámos, a manterem–se, estão muito próximos de ser os novos 7%. 

A 2 de novembro de 2010, José Sócrates dizia ao país exatamente a mesma frase que o porta-voz do PS, João Galamba, pronunciou há dias: “A subida dos juros da dívida nada tem a ver com Portugal.” A história, a partir daquele início de novembro do ano de 2010, é aquela que todos conhecem. 

 

Deputado. Escreve à segunda-feira


Sócrates 2010 versus Galamba 2017 e o complexo da meia verdade


Há uma intrínseca relação disruptiva na análise que o Partido Socialista faz entre a realidade dos factos e a sua perceção. 


Desafogar a responsabilidade de Portugal, e do seu governo, da vulnerabilidade dos riscos sistémicos da política económica europeia, onde nos inserimos, é uma espécie de adaptação lírica da realidade reveladora de um certo complexo inibitório em se assumir a verdade tal e qual como ela é. 

A declaração do porta-voz do PS, João Galamba, na qual isenta responsabilidades do governo na subida dos juros da dívida é, para além de despeitosa, um tanto ou quanto risível. “Olhar para os juros e culpar o governo não é muito diferente de olhar para a tempestade e culpar a homossexualidade ou drogas” é uma forma pueril de contar apenas o lado que interessa da história. Uma meia verdade para evitar a inconveniência da verdade completa. 

Ora, se Galamba esgotou em tweets e declarações públicas a justificação da sua meia verdade, sendo evidente que uma economia como a nossa, integrante de um espaço económico comum, porém endividada e estruturalmente frágil, está, por conseguinte, mais exposta aos choques externos, é importante também referir a outra parte da verdade cuja relação com o governo que apoia é absoluta e inquestionável, mas que este sempre prestável porta-voz não refere – resta saber se deliberadamente ou por convicção. 

Neste contexto, a estratégia orçamental é igualmente decisiva para a definição do limbo em que nos encontramos. É sabido que Portugal tem uma das dívidas públicas mais elevadas do mundo em comparação com a riqueza gerada pelo país, e este resultado advém dos elevados níveis de endividamento (público e privado), e que o seu crescimento económico, parco e amplamente revisto face a todas as previsões socialistas, é manifestamente insuficiente para garantir a sustentabilidade deste rumo. Note–se que o Banco de Portugal já prevê que o crescimento económico até 2019 será inferior ao registado em 2015. 

Ora, do lado de cá, ou seja, do governo e das suas políticas, apesar de todo um foguetório de reversões e devoluções que, na prática, se revelam um tanto ou quanto imaginárias, era necessário vislumbrar-se um caminho que contrabalançasse a inevitável exposição aos riscos externos. 

Não chega propalar o cumprimento das metas do défice, como se de um milagre se tratasse, se ele assenta sobretudo em receitas extraordinárias que têm inequivocamente uma dimensão temporal imediata, na redução do investimento público – essa máxima patriótica exclusiva da esquerda -, num “perdão fiscal” e num aumento de impostos, como, de resto, se começou já a sentir. 

Afinal de contas, para que serve um governo, seja ele qual for, se a sua saúde económica estiver exclusivamente dependente de fatores externos? Se há assim tantos riscos externos, e existem de facto, como conta a meia verdade de Galamba, não devia o governo ser prudente e fazer o necessário para defender o país desses riscos? 

Devia, claro. É aqui que a meia verdade esbarra com a verdade completa. É aqui que o PS e o seu porta-voz apenas contam o que lhes convém. Não chega dizer que se está confiante. Sobretudo quando os tais riscos externos mostram uma tendência de agravamento face às incertezas político-económicas dos principais Estados europeus. 

É verdade que estamos longe dos 7% de juros de dívida pública que nos lançaram num resgate financeiro. Mas também é verdade que hoje, neste contexto, os 4% que registámos, a manterem–se, estão muito próximos de ser os novos 7%. 

A 2 de novembro de 2010, José Sócrates dizia ao país exatamente a mesma frase que o porta-voz do PS, João Galamba, pronunciou há dias: “A subida dos juros da dívida nada tem a ver com Portugal.” A história, a partir daquele início de novembro do ano de 2010, é aquela que todos conhecem. 

 

Deputado. Escreve à segunda-feira