Estar e não estar. A importância da personalidade e os lugares onde ela mais se impõe. Martin Scorcese realizou “Alice Doesn’t Live Here Anymore” em 1974. Ellen Burstyn fazia de Alice, a mulher que se farta da vida que levava e resolve lançar-se numa nova viagem, levando o filho atrás.
Semelhanças? Muitas. Entre o querer estar e o querer não estar, repito. As dúvidas pairaram durante muito tempo. O Benfica (Luís Filipe Vieira) não queria Jesus ou Jesus queria muito o Sporting? Bruno Carvalho disse-o há pouco tempo: “ Fomos buscar um treinador que não tinha clube”. Pois… Até um processo em tribunal está a decorrer.
Depois foi a guerra. Guerra aberta. Curiosamente levada mais a peito por aqueles que pareciam ter sido os protagonistas da decisão: Jesus e o Sporting. As frases feriram como flechas impregnadas de curare – “O Benfica não tem treinador”; “O cérebro não está lá”. Parecia funcionar. Vitória na Supertaça, vitória na Luz por 3-0 para o campeonato, qualificação na Taça de Portugal. Jorge Jesus e o seu compincha Bruno Carvalho – acolitados por Octávio Machado – levavam tudo à frente! Formavam um furacão verde que tinha como destino ganhar, ganhar e ganhar. Não ganharam. Ou melhor, ganharam essa Supertaça, primeiro troféu da época, que ficou sendo o único.
Do outro lado da Segunda Circular não valia a pena peerguntar por Alice. Haveria sempre alguém a responder: “Alice já não mora aqui”. Outro veio para ocupar o seu lugar. Outra personalidade, outro estilo. Mais tranquilo, menos selvagem, mais comprometido, menos egoísta, mais metido consigo e menos espalhafatoso.
Alguns recordaram que Jesus só ainda estava “vivo” na floresta do futebol porque Vieira o mantivera ligado à máquina durante os três anos em que, de Lisboa, se vira o FC Porto ser tri-campeão nacional. Depois, a hegemonia mudou.
Hegemonia Jesus gosta de falar de hegemonia. Já decidiu mesmo que a sua tarefa é levá-la para o Sporting. Talvez não se recorde que a hegemonia só se pintou de vermelho depois de ter saído da Luz, ainda que ninguém possa afirmar que isso não teria acontecido se ele tivesse ficado. Há que ter cuidado com as palavras. O treinador que não o era, foi-o: ganhou o campeonato e também a Taça da Liga, assim como uma espécie de brinde para compensar a perda da Supertaça. Jesus ficou-se pelas palavras. Bruno Carvalho também. Palavras em exagero. Palavras que não se esgotam. Palavras a torto e a direito.
Do outro lado, optou-se pelo silêncio. Dificilmente duas personalidades poderiam ser mais distintas. Rui Vitória aguenta, suporta, mantem-se. Espera pelo momento da alegria e, mesmo assim, é contido. É ele e os outros. Não ele e mais ele. Sobrevive às dúvidas, aguenta a impaciência. Vieira, esse, já sabe como gerir os estados de alma. Afinal, manteve em funções um treinador triplamente derrotado. E este deu-lhe dois títulos. Rui Vitória dar-lhe-ia o terceiro. Consecutivos.
É um Benfica diferente, o novo Benfica; é um Sporting diferente, o novo Sporting. E isso não é independente da personalidade de Jorge Jesus. Afirmo mesmo: até o presidente do Sporting é diferente por causa de Jorge Jesus. Absorveu dele a empáfia. Tornou-se mais interventivo, mais agressivo. Sabe que corre em direcção a algum lado e que esse algum lado até pode ser o abismo. Mas não pára, até aumenta a velocidade. Como Jesus no Benfica, e agora no Sporting: não são dele as derrotas. Aliás, nem há derrotas, transforma-as todas em vitórias de uma ciência da qual só ele tem o segredo. Ficou a dois pontos do Benfica? Nunca ninguém ficou tão perto! O Benfica foi campeão? O Sporting joga melhor, é melhor equipa. De um ano para o outro, requinta-se. Duas vitórias sobre o Real Madrid; duas vitórias sobre o Borussia de Dortmund; mais uma vitória no Estádio da Luz. O resultado pouco importa. O que interessa são as suas intervenções, as suas alterações, as suas mexidas, os seus momentos criativos. Ele está no centro do mundo e a bola faz um movimento de translação em seu redor. Já não mora aqui? Está certamente num cinema perto de si…