“Temos de combinar um jantarinho”, leio no Whatsapp. Claro que sim, vamos a isso! Toca a passar no supermercado para encher o carrinho de compras com garrafas de vinho, com gin, com pimenta rosa, vermelha e de sichuan. Mais uns enchidos, um quilo de camarão e um bom naco do lombo. “Fazemos lá em casa porque tenho uma receita nova para experimentar.” Com certeza! Chegada a sexta-feira, sentamo-nos a comer, com direito a tudo. E só nos levantamos quando sacodem a última gota da garrafa de tinto para dentro do copo.
Podíamos ter combinado uma ida ao cinema. Ou a um concerto. Mas não, decidimos entreter-nos de outra forma mais gulosa, com direito a sobremesa e tudo. Comer está na moda, porque também entretém. Não foi tendência de 2016, nem será novidade para 2017. Mas hoje há um prazer especial por gastronomia: é “lifestyle” e proporciona também bons momentos de fotografias para partilhar com os amigos que estão longe desta requintada mesa farta.
Não era bem esta a partilha que o realizador italiano Marco Ferreri tinha em mente quando desenhou e escreveu, com Rafael Azcona, o enredo de “La Grande Bouffe”, uma produção franco-italiana de 1973, com Marcello Mastroianni, Michel Piccoli, Philippe Noiret, Ugo Tognazzi e Andréa Ferréol que conta a história de quatro amigos que se juntam numa casa, durante um fim de semana com o único propósito de comer até morrer – dez anos depois, os Monty Python criavam a personagem de Mr. Creosote, em “O Sentido da Vida”, esse sim, que acaba por explodir num restaurante.
Sim, a comida é uma tendência crescente. As estrelas Michelin quase que duplicam e todos celebramos como se fosse a qualifcação para um campeonato do mundo de futebol – e todos temos vontade de ir experimentar um dos muitos restaurantes de José Avillez (do Cantinho do Avillez ao Belcanto), ao recém estrelado Alma de Henrique Sá Pessoa; visitar o Loco de Alexandre Silva ou a maravilhosa Casa de Chá da Boa Nova de Rui Paula.
Dois mil e dezasseis foi um ano de fartura nos restaurantes da chamada haute cuisine. E a edição de 2017 do Guia Michelin, apontado como a bíblia dos melhores restaurantes do mundo, vem recheada, como nunca, de restaurantes portugueses: cinco restaurantes com duas estrelas Michelin e mais 16 com uma estrela. Ao todo, uma constelação de 26 estrelas a brilhar em restaurantes portugueses, de norte a sul – ilhas incluídas – isto num país que, no guia deste ano que está prestes a terminar, tinha 14 restaurantes premiados; que no ano anterior tinha 12 e no de 2013 tinha 11. Há cinco anos havia apenas um restaurante premiado com duas estrelas Michelin. A tendência crescente deste festim gastronómico, com cada vez mais clientes, cada vez mais exigentes puxa quer pela criatividade dos chefes como pela qualidade do serviço. Não será, por isso, estranho que as estrelas Michelin e outros troféus gastronómicos continuem a passar por Portugal em 2017, incluindo o muito desejado primeiro restaurante com três estrelas Michelin. Falando por mim, as migas à alentejana também já recebiam uma distinção qualquer da Unesco como património cultural. Ou os enchidos de Trás-os-Montes.
A boa saúde do setor do Turismo também tem vindo a ajudar a esta fartura de estrelas. Claro que nem todos conseguem passar por estes paraísos gastronómicos: não somos todos da fina burguesia, como eram as personagens do filme de Ferreri, que se pode dar ao luxo de encarar a visita a um restaurante de elite de ânimo leve e carteiras disponíveis. Mas a verdade é que as listas de reservas estão bem preenchidas e até é difícil encontrar marcação de mesa de hoje para amanhã.
Quem vai esfregando as mãos de contentamento e de prazer são os turistas que vêm a Portugal e que encontram cada vez mais motivos para passarem por cá. Um destino que continua a ser barato para quem vem com outro poder financeiro – basicamente, qualquer turista europeu – e que além de praias e praticamente sete meses de sol, já encanta o mundo à mesa: seja com lombos de pato confitados, seja com bifanas oleosas. Nada que nós, por cá, não soubessemos: se há gente que sabe trabalhar os sabores e providenciar verdadeiros banquetes são os portugueses. Nós também conquistamos pela boca.