No passado sábado, 10 de dezembro, comemorou-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos e, como é costume, ouvimos e lemos uma generalidade de discursos inflamados das elites mundiais apontando o dedo às constantes e diárias violações de direitos que ocorrem por esse mundo fora, mas que não são mais do que vácuas tentativas de branquear e fazer tábua rasa da sua inação e, em muitos casos, da sua cumplicidade, em relação às atrocidades aos direitos civis e políticos a que diariamente assistimos por esse mundo fora.
O convite para a celebração deste ano, lançado pela ONU, tem como divisa “os nossos direitos, as nossas liberdades, sempre”. Mas celebrar o quê?
Vamos celebrar o silêncio e a apatia da União Europeia pela anexação russa dos territórios no leste da Ucrânia onde, segundo o Tribunal Penal Internacional, são cometidos dezenas de crimes como tortura, morte e sequestro, estimando-se a morte de mais de 10 mil pessoas desde os finais de 2014? Vamos celebrar a sobreposição dos interesses económicos dos Estados-nação europeus e da União aos direitos humanos quando se prevê um movimento europeu de redução ou eliminação de sanções à Rússia?
O que nos pede a ONU para celebrar quando em Alepo, na Síria, a comunidade internacional se recusa a intervir perante as atrocidades do governo sírio, com ataques indiscriminados que envolvem o uso de táticas de terror, ataques aéreos, bombas de barril e vácuo, armas incendiárias, armas químicas e artilharia pesada, vitimando indistintamente milhares de civis, e quando é a própria ONU que reconhece que, naquela região, os “bombardeamentos indiscriminados continuam de uma maneira chocante e implacável, matando e mutilando civis, submetendo–os a um nível de selvajaria que nenhum ser humano deveria ter de suportar”?
O que há para comemorar quando a ONU tem como membros do seu Conselho de Direitos Humanos, e permite a sua elegibilidade, países como a Arábia Saudita, que bombardeou durante 18 meses consecutivos o Iémen, destruindo propositadamente escolas e hospitais onde morreram milhares de crianças e civis adultos? Uma Arábia Saudita que persegue indiscriminadamente, negando e atentando contra os direitos das mulheres, de ativistas políticos e de direitos humanos, de jornalistas, de bloggers ou de advogados?
O que há para celebrar quando a China recorre à coação e à ameaça para levar por diante a demolição da pérola tibetana de Larung Gar – talvez o maior centro de estudos budistas no mundo -, deixando sem casa, e muito provavelmente sem território, mais de 10 mil monges budistas, e onde já começam a surgir relatos de monges e freiras assassinados e desaparecidos, numa certa reminiscência da tão afamada Revolução Cultural?
A propósito de direitos humanos, há que notar ainda a sua relação com as alterações climáticas e que um combate ineficaz neste campo conduz necessariamente a direitos humanos sobejamente violados. Para tal, o sangue de qualquer individuo consciente gelou com a nomeação de Scott Pruitt, conhecido defensor da utilização das energias fósseis, como diretor da Agência de Proteção Ambiental norte-americana. Um mau exemplo da maior potência mundial num combate que só terá sucesso com o seu envolvimento e a sua determinação.
São vários os casos de violações de direitos humanos impossíveis de referir num simples artigo de opinião. Violações que ocorrem em todos os continentes. Do Brasil à China, da Rússia à Venezuela, do Mali ao Vietname.
Na verdade – e, aqui, a mão tem de ser dada à palmatória -, as relações e os interesses económicos entre democratas e ditadores, entre nações livres e nações oprimidas assentam na continuidade de uma lógica egoísta dos interesses particulares dos Estados-nação em detrimento do interesse global civilizacional, onde indubitavelmente se insere a proteção de direitos humanos fundamentais.
As elites mundiais dizem, genericamente, que se trata de soft power. Eu chamo–lhe hipocrisia. Foi isso que se celebrou no passado sábado: o dia internacional da hipocrisia.
Deputado e vice-presidente da bancada do PSD