A Europa em decomposição


Dizer que Hollande foi o pior presidente da França é pouco.Transformou-a num grande gueto de criminalidade, desemprego e inércia


Semana após semana, os sinais da gigante tecnocracia em que se transformaram a generalidade das lideranças europeias sobrepõem-se à razoabilidade, ao bom senso e às aspirações dos povos europeus. A Europa, tal como a conhecemos, caminha a passos largos para um beco sem saída e a prova disso são as emergentes lideranças extremistas (de esquerda e direita) que, país após país, vão ganhando terreno nas intenções de voto e nas expetativas que os cidadãos europeus depositam na sua organização coletiva e na resposta aos seus problemas de sobrevivência. 

Aquilo a que assistimos impávidos em países como França, Áustria e Itália desde a vitória do Brexit não são mais do que reflexos das legítimas respostas por que os povos europeus anseiam, mas que esta cansada e autista Europa tarda em dar. Dizer que Hollande foi o pior presidente da v República Francesa é pouco.

A sua inefável presidência transformou uma das maiores nações europeias num grande gueto de criminalidade, desemprego e inércia onde nem o combate ao terrorismo, que devastou os franceses e a Europa neste último ano, conseguiu vingar.

As eleições austríacas podem, pela segunda vez, trazer à extrema-direita uma vitória, com a diferença de que, desta, não vejo possibilidade de que o destino de Hofer seja o mesmo de Haider. Em Itália, Renzi admitiu demitir-se caso perdesse o referendo de ontem (à hora a que escrevo não são conhecidos resultados) e, se o fizer, o caminho para a radicalização da política italiana está aberto.

Claro que estas evidentes fragilidades da nossa grande nação, somadas à incerteza quanto às orientações de política externa da administração Trump e às manifestações imperialistas de Putin, com evidentes pressões sobre os países do Báltico e a Ucrânia e com o sucesso de partidos pró-russos em importantes países estratégicos como a Bulgária e a Moldávia – a que a Europa que nos governa já pretende responder com um desagravar das sanções impostas -, são suficientes para que possamos inferir que a Europa, tal como a conhecemos na sua forma de governação e de organização, está a mudar. 

Se considerarmos ainda a possibilidade muito real de uma mudança politica na Argélia, face às debilidades de saúde do presidente Bouteflika e à consequente tentativa de ascensão dos grupos radicais islâmicos naquele território – afastados até hoje por uma política duríssima -, a Europa enfrentará uma enorme crise migratória de refugiados que inquestionavelmente colocará em causa não apenas a sua organização social, mas a sua capacidade política e a segurança dos seus cidadãos. 

Os desafios desta Europa são enormes. Vivemos uma era de grande incerteza, de terrorismo, de insegurança, de crises migratórias e de refugiados. De risco. São os efeitos negativos da globalização. A incapacidade de resposta das lideranças europeias não tranquiliza os cidadãos europeus, que acabam por se tornar permeáveis às narrativas tóxicas, assentes no ódio, e de solução fácil mas altamente falsa. 

Isto leva-me ao discurso que o rei espanhol proferiu no parlamento português, na passada semana. Filipe vi é um homem bem preparado e com uma visão sobre a atualidade europeia e mundial muito acertada e condizente com os anseios dos povos europeus.

Não completamente descrente no futuro da união, mas ciente das dificuldades quer dos desafios quer das respostas, Filipe vi exorta às relações bilaterais como meio de sucesso e de autonomização dos nossos países face às graves debilidades do conjunto em que nos inserimos.

Destacando a importância da NATO e da ONU como garante da liberdade e da segurança dos nossos povos, afirmando que quanto mais livre e seguro estiver o mundo melhor estarão Espanha e Portugal, não deixa de exaltar a fraternidade e a concertação ibérica como polo unificador de uma economia transatlântica e de uma trintena de países com mais de 750 milhões de pessoas.

“Um espaço formidável, de alcance e projeção universal, que não devemos perder de vista no mundo crescentemente globalizado dos nossos dias. Deste modo, cada vez que as línguas espanhola e portuguesa se tornam mais universais, mais universais se tornam Portugal e Espanha.” Mais claro era impossível.