Num recente texto no “El País”, o filósofo Daniel Innerarity defende que uma das principais ameaças do populismo é a sua forma de simplificar o que é político, criando discursos inteligíveis e apontando inimigos que unificam as massas e as levam a agir num determinado sentido, fazendo perder a dimensão necessariamente complexa daquilo que são as democracias atuais, com o seu sistema de controlo com pesos e contrapesos. Para Innerarity, é preciso fugir como diabo da cruz desta tentação de intervir na realidade num determinado sentido.
A recente vitória de Trump, o Brexit, as votações da Frente Nacional em França e do Podemos em Espanha, a derrota das imposições da União Europeia em referendo na Grécia, o aparecimento do movimento Cinco Estrelas em Itália foram todos apelidados de populismo. O populismo, mais do que um conteúdo ideológico, parece ser uma forma de construir o político e de fazer política. Para a criação da confusão concorrem definitivamente o histerismo político e mediático em relação ao que ele é. Uma coisa parece certa, vem ocupar um espaço deixado vago pela crise política existente. Há muito que as nossas democracias deixaram de ser soberanas ou deixaram de ter a aparência de que o são: votemos nós no que votarmos, a verdade é que a maior parte das decisões são previamente tomadas fora do quadro das escolhas políticas e eleitorais. Existe um contínuo processo de retirar da discussão popular e da decisão democrática as principais regras que definem a situação em que vivemos. A democracia tornou-se um jogo sem sentido. Uma espécie de circo para iludir que as decisões são tomadas a favor de um por cento da população, em instâncias não eleitas e fora do âmbito da discussão política.
Os momentos de crise, como o nosso, abrem situações em que novas possibilidades podem emergir. Até agora, tirando honrosas exceções, o espaço da resposta à crise está a ser ocupado por movimentos xenófobos, racistas e de direita que criam sentido inventando inimigos nas camadas mais pobres e com menos poder político das populações dos seus países: os imigrantes, os muçulmanos. Este tipo de populismo é uma espécie de última saída de recurso de um sistema. Quando Donald Trump foi eleito, supostamente contra o establishment, as bolsas locais comemoraram o acontecimento com uma subida tonitruante. Doces são, para elas, as revoltas que perseguem os imigrantes e mantém 1% da população a ganhar uma fatia cada vez maior dos rendimentos ao restantes 99%.
No seu livro “A Razão Populista”, Ernest Laclau teoriza uma política que cria sentido pela sua ação. Esse sentido não está prisioneiro de uma situação social, mas é fruto da criação de uma hegemonia que constrói um sujeito da transformação com determinadas coordenadas. Usando um exemplo de hoje: os brancos pobres dos EUA podiam ter votado em Bernie Sanders e no seu socialismo e ideia de luta de classes, como acabaram por votar em Donald Trump e na sua ideia de expulsar três milhões de imigrantes e de reindustrializar o país. Perante um vazio político e da representação, uma crise social e o empobrecimento das pessoas, ambas as respostas poderiam triunfar. A construção da hegemonia é a construção da política, ela faz-se num conflito em que se define um campo de ação: estabelecendo quem são os nossos inimigos e quem são os nossos amigos. O falhanço da esquerda tem sido a total incapacidade de disputar essa hegemonia. A política é um conflito e a esquerda tem de ter um programa que crie ruturas e amplie o campo da igualdade entre as pessoas. Só existe ação política quando um programa é incorporado pelo povo que o coloca em marcha.
"ON POPULIST REASON"
Ernesto Laclau
Preço: €15
Frases na Rede:
https://newleftreview.org/
“Cada vez mais movimentos políticos e sociais são apelidados depreciativamente de ‘populistas’ por governos especializados em medidas antipopulares. A etiqueta populista é atribuída a todo o que ouse criticar o diktat das oligarquias económico-financeiras”, Marco D’Eramo, no artigo “Populismo e a Nova Oligarquia”, na “New Left” de setembro/outubro de 2013.
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