GNR. “Nunca gostámos muito de comebacks”

GNR. “Nunca gostámos muito de comebacks”


Apesar de não ligarem a aniversários, a banda de Jorge Romão, Rui Reininho e Tóli César Machado está a celebrar 35 anos. E a festa faz-se de muitas formas


Primeiro senta-se Jorge Romão, o baixista. Depois vem Rui Reininho, o letrista e vocalista. Por fim chega-nos Tóli César Machado, o ex-baterista, agora guitarrista, teclista e o que mais for preciso. Temos os GNR reunidos em Lisboa, sentados, alinhados, no sofá de um hotel com o quadro de uma pauta musical por cima das suas cabeças. Vieram do Porto para ultimar os detalhes do concerto que deram no dia 12 de novembro no Campo Pequeno, depois de, no fim de semana anterior, terem arrebatado o Multiusos de Guimarães.

Está a ser um ano de festa para o trio. Em 2016 celebram 35 anos de existência, ainda que esta seja uma comemoração feita, sobretudo, pelos promotores dos espetáculos. “Costumam pedir-nos para usar os 35 anos na promoção. Dizem que ajuda a vender bilhetes, mas a nós isso interessa pouco”, diz Tóli. O guitarrista e teclista vinca que nem gosta muito de celebrar aniversários, só que há uma altura na vida das bandas que é quase inaceitável não o fazer, e três décadas e meia de discos, de canções e digressões é muita fruta. Reininho diz que os 35 anos são “35 degraus”. E Tóli sublinha: “Nunca gostámos de comebacks. E isto não é um comeback! Não é como bandas como os Sétima Legião, que celebram os 25 e os 30 anos, mas já acabaram!” Rui Reininho dá um outro exemplo, provocador como sempre: “Eu, por exemplo, vou comemorar 20 anos de casado, só que já me divorciei há dez! Continuo a comemorar?”

De facto, não é mesmo nenhum regresso. Podia ter sido, há uns anos, quando a banda teve um hiato nas edições discográficas – entre “Do Lado dos Cisnes”, em 2002, e “Retropolitana”, em 2010. “Mas mesmo assim havia espetáculos e editámos compilações. Nunca parámos de tocar!”, salienta Tóli.

Por isto mesmo, estes dois concertos foram mais dois pontos altos num ano que já teve grandes momentos: dois concertos dedicados aos 30 anos do álbum “Psicopátria” – um no Teatro Rivoli, no Porto, e outro no Super Bock Super Rock, em Lisboa. A Avenida dos Aliados recebeu ainda, em junho, o concerto que repôs alguma justiça no mundo e juntou, em casa, os GNR à Banda Sinfónica da Guarda Nacional Republicana – “Dizem-nos que batemos o recorde de espetadores. Foram 90 mil! Estás a ouvir, Tim?”, sorri Tóli, lembrando que os Xutos & Pontapés também por lá passaram.

Mas antes de tudo isto, ainda em 2015, o Grupo Novo Rock voltou aos discos – e de forma brilhante – com “Caixa Negra”. E, por isso, aniversários à parte, este ano andam a tocá-lo por todo o país. “Sem dúvida que este disco injetou mais músicas novas nos espetáculos. Normalmente, quando tínhamos um disco novo, começávamos por tocar seis músicas. Passado uns tempos passávamos para cinco, depois quatro até deixar de as ter. Agora ainda continuam! Já tocámos praticamente todas as canções”, conta Rui Reininho. E essa é a prova cabal que “Caixa Negra” é um disco bem sucedido. “Mostra que estamos vivos”, salienta Tóli. Há quem diga que este foi o álbum que trouxe de volta os GNR a tempos antigos e que recuperou memórias de outros êxitos. E isso tem uma explicação, como nos diz Tóli. “O ‘Caixa Negra’ é um disco em que fomos os três para estúdio. O único músico que tocou ali fora da banda foi o produtor, o Mário Barreiros. Foi uma forma de manter a uniformidade das canções e não desvirtuar o som.” É esse produtor, “ou coprodutor”, diz Reininho, que hoje “impede que esteja toda a gente a dar opiniões”, como acontecia em tempos idos. “Eu ia gravar e punham-se todos à minha volta a dizer como haveria de cantar. Parecia um jogador a ir marcar um penálti com a equipa toda à volta a dizer: ‘Não é assim, chuta para direita!’” Hoje a democracia na banda fica facilitada na altura de criar canções, mas ainda sentem a pressão na altura da composição. Como diz o baixista Jorge Romão, por gostarem sempre “de fazer bem e diferente”. “O difícil é arrancar. Criar aquela estrutura, aquele esqueleto, uma coisa bem montada para trabalhar por cima.”

A pensar no futuro O grupo continua a cavalgar no sucesso e a tentar a eterna reinvenção, um dos aspetos que, dizemos nós, foram fundamentais para que os GNR sejam considerados a grande banda da pop portuguesa. Ainda que seja de forma pouco concreta, já vão pensando em novas canções. Aquando do lançamento da biografia oficial do grupo, “GNR – Onde Nem a Beladona Cresce” – escrita pelo jornalista Hugo Torres – a banda apresentou um novo tema, “O Arranca-Coração”. “Para fazer esse tema tive que fazer seis ou sete. Para fazer um disco tem que se fazer muitas mais! Claro que vai haver sempre canções: é questão de ver se há espaço para um novo disco dos GNR”, diz Tóli. “Nós agora editamos pela nossa própria editora, a Indie Fada, por isso temos que ver se existe a vontade de haver um álbum novo. O último disco correu bem, mas basicamente serviu para pagar as despesas”, revela o baixista.

Por agora é altura de celebrar os tais “35 degraus” com os fãs. E se o concerto do Campo Pequeno se revestiu de um interesse grande, até porque reuniu alguns convidados com quem os GNR não se juntavam há muitos anos, como o espanhol Javier Andreu dos La Frontera, que acompanhava Reininho na voz em “Sangue Oculto”, e Isabel Silvestre, que cantava “Pronúncia do Norte” – sendo que os dois estiveram presentes com os GNR no mítico concerto do Estádio de Alvalade, em 1992 – para quem não teve oportunidade de estar presente, sobram duas hipóteses: ver um dos concertos que a banda dará até ao final do ano (Castelo Branco, Guarda e Coimbra) ou comprar mais tarde o DVD.

É que estes concertos de celebração dos 35 anos serviram para registar, pela primeira vez, um DVD dos GNR. “É verdade”, exclama Reininho, deixando ver um sorriso rasgadíssimo. “Lá está, nunca houve verba! Mesmo quando trabalhávamos com editoras, era sempre adiado… Era uma coisa quase kafkiana. Diziam-nos que era sempre melhor noutra altura. Temos, pelo menos, meia dúzia de concertos gravados em vídeo e nunca saiu. Nunca era altura!” O tempo para isso e para muito mais continua a ser agora.

Biografia oficial para celebrar os 35 anos 

“GNR – Onde Nem a Beladona Cresce” é a biografia oficial da banda escrita pelo jornalista Hugo Torres e que chegou às bancas há pouco mais de dois meses. O livro percorre a história dos 35 anos da banda a partir dos arquivos e recortes de imprensa que a banda colecionou, mas também com comentários e histórias contadas na primeira pessoa por Rui Reininho, Tóli César Machado e Jorge Romão. Além de histórias de ensaios, músicas e concertos, o livro, com a chancela da Porto Editora, vem ainda acompanhado de um single inédito, “O Arranca-Coração”, editado num CD que acompanha todas as edições da biografia.

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