Se é verdade que durante este “tempo novo” ouvimos que a cultura era prioridade para o governo das esquerdas, não é menos verdade que, nos dois anos que este tempo já leva, essa prioridade se revelou um enorme embuste.
Quem leu a generalidade da imprensa – muito pouco rigorosa e bastante permeável ao spin dos gabinetes ministeriais, diga-se – ficou com a sensação de que os aumentos proclamados para este setor eram, de facto, reais e que a prioridade tão anunciada pelo governo e tão presente no céu da boca da esquerda amiga dos artistas era uma realidade. Nada que a entrega do documento orçamental e a sua análise detalhada e comparada (sim, senhores críticos e jornalistas, é preciso fazer continhas) não viesse desmentir.
Na verdade, fazendo as contas, a cultura não só não é uma prioridade como chega ao cúmulo de apresentar, em termos comparativos, um orçamento inferior ao de 2015 – o último orçamento da direita castradora da criação cultural, como esta gente tanto gosta de afirmar.
Longe vão os tempos em que a voz uníssona das esquerdas reclamava um orçamento para a cultura equivalente a 1% do PIB. Hoje contentam-se com pouco mais de 0,1% e nem a vergonha do confronto com as declarações proclamadas à época e a realidade deste governo que apoiam as impede de reconhecer as evidentes fragilidades e a ausência de resposta às necessidades deste setor.
A realidade é dura para o setor. São pouco mais de 200 milhões de euros o valor da mentira apregoada. Mas, pior do que isso, não se vislumbra no horizonte patriótico e de esquerda uma linha estrutural de políticas culturais transversais que sejam criadoras de novos públicos, integradoras do sistema de ensino e impulsionadoras de novos criadores.
O ministro Castro Mendes é o rosto desavergonhado deste embuste. Em primeiro lugar porque, confrontado com o decalque e a desconstrução do seu orçamento, engasga-se e não consegue rebater com um único argumento plausível a manifesta insuficiência orçamental. Depois porque reconhece, em declarações públicas, que a cultura não se resume a um ministério, pois todos os ministérios fazem cultura, e que ela não pode ser avaliada exclusivamente pelos orçamentos correspondentes. O que é caso para dizer “quem os viu e quem os vê”.
Não há uma ideia concreta sobre a necessária transversalidade das políticas culturais. Da sua ligação ao ensino, de resto essencial na sua dimensão de formadora de hábitos de consumo e de criação. Na sua ligação à ciência e tecnologia como polo de ligação a novos públicos e novas tendências, ao turismo como meio de desenvolvimento cultural e económico de um país com história, como o nosso. Ou até mesmo na sua ligação com o mundo como elo de afirmação global de Portugal no contexto europeu, lusófono e mundial.
Não há estratégia. Tudo se resume a migalhas. À politica do dia-a-dia. Ao contentamento fugaz de quem mais berra no setor. Uma cultura que põe de parte uma visão de futuro, de afirmação e desenvolvimento. Que lance as bases para a transformação social de que tanto precisamos. Que acompanhe e sirva de alimento ao espírito crítico dos nossos jovens, cada vez mais alheados dos problemas da sua polis.
O Ministério da Cultura não existe. E este Orçamento é a prova de que a teoria das esquerdas sobre a sua inexistência estava errada. Afinal de contas, qual é o significado da existência de um Ministério da Cultura se o investimento real do setor é inexistente? Qual o seu sentido se não há uma visão estratégica e integradora de políticas culturais? Nenhum, a não ser uma certa habilidade demagógica que engana tolinhos fazendo-os crer que a importância das causas está na forma, e não no conteúdo.
Escreve à segunda-feira