Intrujice na cultura


Não é 1% do PIB. É 0,1% do PIB. Significa, por isso, que caiu a máscara aos guardiães da causa. O tempo novo traduziu-se num enorme falhanço.


As parangonas vomitaram o número que lhes foi apresentado. 444 milhões de euros para a cultura, lia-se na maioria dos títulos permeáveis ao spin governamental. Poucos foram aqueles que se deram ao trabalho de verificar. Mas os que o fizeram descobriram uma triste realidade.

Os números globais do Orçamento do Estado para a cultura são uma treta. Uma farsa que põe a nu a fragilidade do setor e o alheamento dos governantes e dos seus responsáveis diretos, que nos revelam a sua intrínseca pobreza de espírito.

Dizer que a cultura tem mais dinheiro e é mais valorizada com a esquerda (desta vez, todas as esquerdas) é uma intrujice. Se deduzirmos ao seu orçamento global as manobras financeiras como o sorvedouro da RTP e a inclusão dos apoios à comunicação social local e regional – que até aqui pertenciam ao Orçamento da Presidência do Conselho de Ministros, em concreto ao Gabinete de Meios para a Comunicação Social –, se retirarmos as receitas do Teatro Nacional D. Maria ii, que constavam diretamente das transferências do Ministério das Finanças, o orçamento para a cultura não só é inexistente como é mais baixo que o do ano anterior, ficando-se pelos 209 milhões de euros contra os 216 milhões de 2016.

É evidente que estes números estão muito longe das reivindicações sobressaltadas e bacocas da esquerda tutora da bandeira da cultura. A esquerda que batia com a mão no peito e reclamava com estridência um orçamento correspondente a 1% do PIB.

Na verdade, o número 1 está lá. Mas não é 1%. É 0,1% do PIB. Significa, por isso, que caiu a máscara aos guardiães da causa. O tempo novo traduziu-se num enorme falhanço da política cultural que, sendo certo que não resume ao dinheiro, não foge de um conjunto de frugalidades no que respeita às suas grandes opções.

Estou certo de que, até à discussão do Orçamento, a veia poética do ministro Castro Mendes virá ao de cima. Com uma boa semântica e um léxico rico, lá arranjará forma de ter o desplante de dizer que a cultura vai ser mais apoiada, terá mais autonomia e será mais valorizada. Não lhe faltará o suporte das claques comunista e bloquista, que nos vão entretendo na sua disputa de melhores amigos dos artistas e da cultura.

Mas só enganará os tolos. Na verdade, a prova de que não chega ter um ministério para que a cultura seja, de facto, valorizada tornou-se inegável. Afinal de contas, um ministério para quê se, desde que ele voltou a existir, o seu orçamento é substancialmente inferior aos tempos em que era uma secretaria de Estado?

Para animar a tolice social da aparência, como é óbvio. Porque, em termos concretos, o resultado é o que se vê. Porém, não deixa de ter a sua piada quando comparamos Orçamentos, de forma real e sem recurso às manigâncias contabilísticas, e constatamos que a “direita anticultura” valorizou sempre muito mais a cultura do que a esquerda. Só lhe faltou o foguetório que, pelos vistos, é muito mais importante do que a realidade dos números.

O grave é que o cada vez mais reduzido peso da cultura no Orçamento do Estado – que, ao contrário do que as virgens do regime apregoam, inverte a tendência crescente verificada entre 2011 e 2015 (mais uma vez, a crueldade dos números) – corresponde a uma manifestação de alheamento da importância que as políticas públicas associadas ao setor têm na formação de uma consciência social e pensante da nossa sociedade. Na verdade, até os percebemos. Quanto mais nós pensarmos, quantos mais dados tivermos ao nosso dispor, quanto mais críticos formos, mais rapidamente percebemos que esta gente está a mais. E isso, eles, definitivamente, não querem.

 

Deputado. Escreve à segunda-feira


Intrujice na cultura


Não é 1% do PIB. É 0,1% do PIB. Significa, por isso, que caiu a máscara aos guardiães da causa. O tempo novo traduziu-se num enorme falhanço.


As parangonas vomitaram o número que lhes foi apresentado. 444 milhões de euros para a cultura, lia-se na maioria dos títulos permeáveis ao spin governamental. Poucos foram aqueles que se deram ao trabalho de verificar. Mas os que o fizeram descobriram uma triste realidade.

Os números globais do Orçamento do Estado para a cultura são uma treta. Uma farsa que põe a nu a fragilidade do setor e o alheamento dos governantes e dos seus responsáveis diretos, que nos revelam a sua intrínseca pobreza de espírito.

Dizer que a cultura tem mais dinheiro e é mais valorizada com a esquerda (desta vez, todas as esquerdas) é uma intrujice. Se deduzirmos ao seu orçamento global as manobras financeiras como o sorvedouro da RTP e a inclusão dos apoios à comunicação social local e regional – que até aqui pertenciam ao Orçamento da Presidência do Conselho de Ministros, em concreto ao Gabinete de Meios para a Comunicação Social –, se retirarmos as receitas do Teatro Nacional D. Maria ii, que constavam diretamente das transferências do Ministério das Finanças, o orçamento para a cultura não só é inexistente como é mais baixo que o do ano anterior, ficando-se pelos 209 milhões de euros contra os 216 milhões de 2016.

É evidente que estes números estão muito longe das reivindicações sobressaltadas e bacocas da esquerda tutora da bandeira da cultura. A esquerda que batia com a mão no peito e reclamava com estridência um orçamento correspondente a 1% do PIB.

Na verdade, o número 1 está lá. Mas não é 1%. É 0,1% do PIB. Significa, por isso, que caiu a máscara aos guardiães da causa. O tempo novo traduziu-se num enorme falhanço da política cultural que, sendo certo que não resume ao dinheiro, não foge de um conjunto de frugalidades no que respeita às suas grandes opções.

Estou certo de que, até à discussão do Orçamento, a veia poética do ministro Castro Mendes virá ao de cima. Com uma boa semântica e um léxico rico, lá arranjará forma de ter o desplante de dizer que a cultura vai ser mais apoiada, terá mais autonomia e será mais valorizada. Não lhe faltará o suporte das claques comunista e bloquista, que nos vão entretendo na sua disputa de melhores amigos dos artistas e da cultura.

Mas só enganará os tolos. Na verdade, a prova de que não chega ter um ministério para que a cultura seja, de facto, valorizada tornou-se inegável. Afinal de contas, um ministério para quê se, desde que ele voltou a existir, o seu orçamento é substancialmente inferior aos tempos em que era uma secretaria de Estado?

Para animar a tolice social da aparência, como é óbvio. Porque, em termos concretos, o resultado é o que se vê. Porém, não deixa de ter a sua piada quando comparamos Orçamentos, de forma real e sem recurso às manigâncias contabilísticas, e constatamos que a “direita anticultura” valorizou sempre muito mais a cultura do que a esquerda. Só lhe faltou o foguetório que, pelos vistos, é muito mais importante do que a realidade dos números.

O grave é que o cada vez mais reduzido peso da cultura no Orçamento do Estado – que, ao contrário do que as virgens do regime apregoam, inverte a tendência crescente verificada entre 2011 e 2015 (mais uma vez, a crueldade dos números) – corresponde a uma manifestação de alheamento da importância que as políticas públicas associadas ao setor têm na formação de uma consciência social e pensante da nossa sociedade. Na verdade, até os percebemos. Quanto mais nós pensarmos, quantos mais dados tivermos ao nosso dispor, quanto mais críticos formos, mais rapidamente percebemos que esta gente está a mais. E isso, eles, definitivamente, não querem.

 

Deputado. Escreve à segunda-feira