Os trunfos de Costa


Um ano depois das eleições, Costa é o dono da bola e pode reforçar-se, embora na política de hoje seja tudo tão imprevisível que tanto é possível a geringonça seguir em frente como encravar


1) Quem diria que, um ano depois das eleições que não ganhou, António Costa estava à frente de um governo apoiado na esquerda, rodeado de assinalável paz social e com resultados financeiros e económicos aceitáveis, embora baseados numa austeridade que só é menos percetível por ser feita à conta do investimento público, da despesa e de novos impostos, e não só de cortes salariais.

Depois dos 54 dias que levou a ser montado e que são muito bem descritos no recente livro das jornalistas Rita Tavares e Márcia Galrão, o governo Costa é uma espécie de quadratura do círculo – isto apesar de não ter grande qualidade técnica nem um número dois à altura, e de navegar à bolina. A verdade, porém, é que a geringonça avança, com as oposições a ver.

Costa conseguiu amestrar o Bloco, entender-se com o PCP, a CGTP, os Verdes e o PAN, evitar as sanções europeias, controlar o défice e apresentar contas globais aceitáveis. Se até ao fim do ano somar a isso um Orçamento do Estado com o aval da esquerda parlamentar, impedir o absurdo corte dos fundos estruturais e construir as condições de apresentar, em março do ano que vem, um défice de 2,5% à União Europeia, então Costa terá de ser considerado um génio da política e da governação e um exemplo para a Europa. 

Pelo contrário, se até lá o entendimento à esquerda falhar ou as contas saírem furadas, António Costa não se livrará da imagem de ilusionista político que a direita portuguesa e europeia tentam colar-lhe à pele. 

Mas até ver, uma coisa é certa: Costa é o dono da bola na política. Só o insuperável Marcelo o pode travar. Apesar de ser um cenário improvável, não é de estranhar que haja quem não exclua, no PS e noutros quadrantes, a possibilidade de em 2017 (um ano potencialmente complexo) António Costa aproveitar um esticar de corda dos seus parceiros de esquerda para forçar legislativas antecipadas que, segundo todas as sondagens conhecidas, lhe seriam favoráveis e, no mínimo, lhe permitiriam crescer um pouco, eventualmente à conta do Bloco e do PSD. 

No caso dos sociais-democratas, a causa de um recuo poderia estar no facto de Passos tardar em apresentar um programa de futuro e se refugiar num discurso pessimista, tendo, para mais, dificuldades em definir candidatos autárquicos ganhadores para cidades como Lisboa, Porto, Coimbra e Sintra, podendo até perder Braga. A única boa notícia neste campo é o eventual avanço de Barreiras Duarte para Leiria, com boas possibilidades de recuperar o município – uma hipótese que, todavia, estará condicionada ao inequívoco apoio do partido em termos políticos e de meios, numa região de grande potencial económico onde o PSD desapareceu depois do desastre Damasceno.

No contexto nacional, é claro que legislativas antecipadas ou coincidentes com autárquicas dependeriam, em última instância, do Presidente da República, que já fez saber que, para ele, o primeiro grande teste ao governo serão as autárquicas, pelo que tudo fará para evitar ruturas até lá. 

Todavia, no estrito contexto partidário, quem tem mais trunfos atualmente é António Costa, que pode ainda juntar o bónus de uma vitória nas regionais dos Açores. Já se ganhasse o PSD ou se o PS não mantivesse a maioria absoluta, Passos Coelho receberia uma vitamina política que animaria as suas hostes.

Como se pode ver retrospetivamente, em 365 dias, muita coisa pode mudar na política. É de apostar que, no ano que se segue, virão situações totalmente imprevisíveis que podem oscilar entre a manutenção da geringonça ou a hipótese de ela se espatifar toda. Aguardemos com expetativa, começando já por ouvir atentamente o que vai ser dito pelos principais políticos do país neste 5 de outubro em que se celebra a República e o regresso de um feriado altamente simbólico.

2) O presidente Marcelo vetou, e bem, a lei que impunha que a banca comunicasse ao fisco os nomes dos titulares de contas superiores a 50 mil euros, coisa que era apresentada pelo governo e o Bloco como combate à corrupção. O argumento era fraco, porque o fisco já conhece os nomes de todos os depositantes bancários, uma vez que cobra 28% de impostos sobre qualquer juro que seja pago.

3) Falta pouco para se conhecer o detalhe do programa da visita do Papa a Portugal por ocasião dos cem anos das aparições de Fátima. Mesmo que passe por Lisboa, é já praticamente certo que Francisco não visitará a Santa Casa da Misericórdia, apesar de se tratar de uma instituição de fundamento religioso, criada em 1498 pela rainha D. Leonor e cuja obra é absolutamente notável. Os esforços para concretizar uma breve visita foram intensos e conduzidos com competência, mas o calendário papal não comporta esse passo. Nesta fase, só um pequeno milagre faria com que o primeiro Papa jesuíta fosse até essa grande instituição portuguesa construída também pela sua ordem. Era bonito!


Os trunfos de Costa


Um ano depois das eleições, Costa é o dono da bola e pode reforçar-se, embora na política de hoje seja tudo tão imprevisível que tanto é possível a geringonça seguir em frente como encravar


1) Quem diria que, um ano depois das eleições que não ganhou, António Costa estava à frente de um governo apoiado na esquerda, rodeado de assinalável paz social e com resultados financeiros e económicos aceitáveis, embora baseados numa austeridade que só é menos percetível por ser feita à conta do investimento público, da despesa e de novos impostos, e não só de cortes salariais.

Depois dos 54 dias que levou a ser montado e que são muito bem descritos no recente livro das jornalistas Rita Tavares e Márcia Galrão, o governo Costa é uma espécie de quadratura do círculo – isto apesar de não ter grande qualidade técnica nem um número dois à altura, e de navegar à bolina. A verdade, porém, é que a geringonça avança, com as oposições a ver.

Costa conseguiu amestrar o Bloco, entender-se com o PCP, a CGTP, os Verdes e o PAN, evitar as sanções europeias, controlar o défice e apresentar contas globais aceitáveis. Se até ao fim do ano somar a isso um Orçamento do Estado com o aval da esquerda parlamentar, impedir o absurdo corte dos fundos estruturais e construir as condições de apresentar, em março do ano que vem, um défice de 2,5% à União Europeia, então Costa terá de ser considerado um génio da política e da governação e um exemplo para a Europa. 

Pelo contrário, se até lá o entendimento à esquerda falhar ou as contas saírem furadas, António Costa não se livrará da imagem de ilusionista político que a direita portuguesa e europeia tentam colar-lhe à pele. 

Mas até ver, uma coisa é certa: Costa é o dono da bola na política. Só o insuperável Marcelo o pode travar. Apesar de ser um cenário improvável, não é de estranhar que haja quem não exclua, no PS e noutros quadrantes, a possibilidade de em 2017 (um ano potencialmente complexo) António Costa aproveitar um esticar de corda dos seus parceiros de esquerda para forçar legislativas antecipadas que, segundo todas as sondagens conhecidas, lhe seriam favoráveis e, no mínimo, lhe permitiriam crescer um pouco, eventualmente à conta do Bloco e do PSD. 

No caso dos sociais-democratas, a causa de um recuo poderia estar no facto de Passos tardar em apresentar um programa de futuro e se refugiar num discurso pessimista, tendo, para mais, dificuldades em definir candidatos autárquicos ganhadores para cidades como Lisboa, Porto, Coimbra e Sintra, podendo até perder Braga. A única boa notícia neste campo é o eventual avanço de Barreiras Duarte para Leiria, com boas possibilidades de recuperar o município – uma hipótese que, todavia, estará condicionada ao inequívoco apoio do partido em termos políticos e de meios, numa região de grande potencial económico onde o PSD desapareceu depois do desastre Damasceno.

No contexto nacional, é claro que legislativas antecipadas ou coincidentes com autárquicas dependeriam, em última instância, do Presidente da República, que já fez saber que, para ele, o primeiro grande teste ao governo serão as autárquicas, pelo que tudo fará para evitar ruturas até lá. 

Todavia, no estrito contexto partidário, quem tem mais trunfos atualmente é António Costa, que pode ainda juntar o bónus de uma vitória nas regionais dos Açores. Já se ganhasse o PSD ou se o PS não mantivesse a maioria absoluta, Passos Coelho receberia uma vitamina política que animaria as suas hostes.

Como se pode ver retrospetivamente, em 365 dias, muita coisa pode mudar na política. É de apostar que, no ano que se segue, virão situações totalmente imprevisíveis que podem oscilar entre a manutenção da geringonça ou a hipótese de ela se espatifar toda. Aguardemos com expetativa, começando já por ouvir atentamente o que vai ser dito pelos principais políticos do país neste 5 de outubro em que se celebra a República e o regresso de um feriado altamente simbólico.

2) O presidente Marcelo vetou, e bem, a lei que impunha que a banca comunicasse ao fisco os nomes dos titulares de contas superiores a 50 mil euros, coisa que era apresentada pelo governo e o Bloco como combate à corrupção. O argumento era fraco, porque o fisco já conhece os nomes de todos os depositantes bancários, uma vez que cobra 28% de impostos sobre qualquer juro que seja pago.

3) Falta pouco para se conhecer o detalhe do programa da visita do Papa a Portugal por ocasião dos cem anos das aparições de Fátima. Mesmo que passe por Lisboa, é já praticamente certo que Francisco não visitará a Santa Casa da Misericórdia, apesar de se tratar de uma instituição de fundamento religioso, criada em 1498 pela rainha D. Leonor e cuja obra é absolutamente notável. Os esforços para concretizar uma breve visita foram intensos e conduzidos com competência, mas o calendário papal não comporta esse passo. Nesta fase, só um pequeno milagre faria com que o primeiro Papa jesuíta fosse até essa grande instituição portuguesa construída também pela sua ordem. Era bonito!