Recentemente entrou em colapso e consequente processo de insolvência uma operadora turística (a operar em território nacional, não se encontrando registada em Portugal) de elevadas dimensões e considerável solidez no mercado internacional. Este evento foi alvo de divulgação nos meios de comunicação social pois colocou no desemprego inúmeros trabalhadores (perto de 5 centenas), lesou milhares de clientes e terá causado danos a outros tantos credores.
Não pretendendo desvalorizar a contenda laboral que esta situação terá provocado, nem os efeitos nefastos que acarretará na vida destes trabalhadores, esta análise visa, tão-somente, a perspetiva do consumidor. Pretende-se descrever o que (não) pode ser feito, pelo consumidor, no sentido de ver reposto o prejuízo que lhe foi causado.
Vejamos: destino escolhido, datas eleitas, férias pagas.
Uns, a escassos dias da partida, outros já no destino a usufruir de um serviço pago, os consumidores são informados que, caso pretendam manter o serviço pago anteriormente, terão que o pagar novamente! Isto como consequência da insolvência da operadora turística que os consumidores elegeram como fornecedora do referido serviço.
Agora urge perceber o que sucede nestes casos, e de que forma os consumidores (não) se encontram salvaguardados. Pedem-se responsabilidades a quem? :
1º À operadora. Encontra-se insolvente. A administração de insolvência remete para as companhias de seguros, associadas às instituições bancárias.
2º Ao local de alojamento (hotel, albergaria, turismo rural, etc., etc.). Esta operadora só procedia à liquidação após a saída do cliente (?), assim sendo, a estadia encontra-se por pagar. As reservas foram canceladas e quem já chegou ao destino ou paga (novamente) ou sai, quem ainda não partiu terá que efetuar nova reserva e, consequentemente novo pagamento.
3º À seguradora associada ao cartão de crédito. Os reembolsos restringem-se a casos de furto ou fraude, não insolvências.
4º Ao turismo de Portugal. Já conhecedor da situação informa que “ o recurso à Comissão Arbitral prevista nos art.ºs 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 61/2011, de 6 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 199/2012, de 24 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 26/2014, de 14 de fevereiro, apenas é admitido no âmbito da apreciação de pedidos de acionamento do FGVT (Fundo de Garantia de Viagens e Turismo) que respeitem a incumprimento contratual imputável às agências de viagens e turismo devidamente registadas no Registo Nacional das Agência de Viagens e Turismo (RNAVT).” – O que não se verifica.
5º À (s) associação (ões) de defesa dos consumidores. Se não é associado, – nada pode ser feito! ; se é associado, igualmente! (Essa operadora é uma empresa que não se encontra registada em Portugal).
Muitas questões poderiam ser colocadas a estas instituições, nomeadamente: para que servem os seguros? Quem fiscaliza as empresas a atuar em Portugal? Mas, essencialmente questiona-se a utilidade das instituições, para que servem e o que fazem pelo consumidor?
Sem particularizar, a verdade é que o consumidor é aliciado com seguros para isto e seguros para aquilo, mensalidades para associações de defesa dos seus interesses, taxas para a instituição A e B…mas, essencialmente para quando nada acontece. Na eventualidade de se verificar um dano nos interesses do consumidor, do tipo referido, não há instituição que os salvaguarde.
A propósito do seu ambiente de trabalho alguém dizia: “ninguém quer assumir responsabilidades quando os processos correm menos bem!” Sim, atualmente, cada vez é maior a dificuldade em se assumir responsabilidades, quer pelos indivíduos, quer pelas próprias instituições. Há uma desresponsabilização generalizada.
Quem garante que os locais de alojamento não receberam antecipadamente?
Quem pretende defender os consumidores ou cidadãos não pode estar passivo à fiscalização e à intervenção e responder que «nada pode ser feito». Que tal aconselhamento jurídico? Acompanhamento da situação? Disponibilizar informações em tempo útil?
Quem diz às instituições bancárias que não é fraude? O facto de a empresa ser declarada insolvente não implica a ausência de fraude. O CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas) qualifica dois tipos de insolvência, fortuita ou culposa (art. 185º), sendo esta última uma conduta ilícita e culposa do devedor e respetivos administradores.
Assim, cabe ao sistema de justiça tipificar a ocorrência e fazer cumprir a lei, como cabe às instituições agir em função das suas responsabilidades e não se desculparem com um discurso legal que não se aplica. Nem indivíduos, nem organizações coletivas devem distorcer a interpretação da lei para se desresponsabilizarem, ou praticarem atos moralmente incorretos.
Afinal é fraude ou não é fraude? E que vantagem trará este reconhecimento para os consumidores lesados?
Fraude é: todo o ato intencional de pessoas, individuais ou coletivas, perpetrado com logro, e que causa, efetiva ou potencialmente, vantagens para alguns ou danos a outros e que violam as boas práticas sociais, a ética, ou a lei. As vantagens ou os danos têm uma expressão económico-financeira.
Em termos criminológicos, diz-nos a investigação empírica que os danos provocados pela fraude são incalculáveis, e o seu combate passa (também) pela capacidade de organização dos lesados e das instituições que os “protegem”, da visibilidade que é dada a estes casos, da capacidade de atuação, em parceria, de várias instituições/organizações.
Contudo será sempre mais fácil e menos trabalhoso dizer “Não podemos fazer nada!”. Mas o nada é muito! Ele traduz necessariamente o prejuízo de milhares de consumidores, a inoperacionalidade e o descrédito das instituições e a perda de confiança sobre a sua ação.