Quando Mário Centeno, exibindo o seu CV com as insígnias da pomposa Harvard, foi apresentado ao país, em 2015, António Costa não fez a coisa por menos: estava ali o líder do conselho de sábios do PS. O mais sábio de entre os sábios. Recorde-se que era Centeno quem coordenava o grupo responsável pelo programa económico com que Costa se apresentaria a eleições pouco tempo depois – e que o documento descanse em paz, porque dele só resta a memória do que nunca foi.
Desde então que Centeno sempre insinuou que seria um ministro das Finanças ‘fora da caixa’. Logo na apresentação do programa económico do PS, como que a anunciar ao que vinha, Centeno fez humor excêntrico para disfarçar o embaraço de não conhecer as suas próprias previsões para o PIB e o défice. Mais cómico do que isto, se não fosse trágico para o país, foi a revelação dos multiplicadores que “credibilizavam” a estratégia do PS. Jurava Centeno que, por cada euro que um governo PS colocasse na economia, a retoma devolveria quatro. Esta fantasia não tem sequer um ano. Ah… já para não falar nas previsões do governo das esquerdas que ainda não acertaram na evolução de um único indicador. Mário Centeno até podia ser um ministro ‘fora da caixa’. O que ele não podia, porque o país não está para experimentalismos, era ter-se revelado como ministro que não dá uma para a caixa.
É claro que o assunto é Caixa Geral de Depósitos. E é cada vez mais claro que o assunto também é o resto. Porque na Caixa, como em tudo, este governo só tem uma medida: o poucochinho. É tudo poucochinho no princípio, no meio e no fim. O poucochinho até pode ser o tamanho certo para o homem que comanda a frente de esquerda ultraconservadora. Para os partidos que apoiam o governo, já se viu que fazer menos é sempre excelente. Mas a Portugal a medida do poucochinho não serve. Para as pessoas, menos é menos.
A forma como o governo lidou com a CGD é um tratado sobre má gestão, nas finanças, e sobre maus princípios, na política. Pior era impossível.
Recorde se que o BCE chumbou os nomes de oito administradores não executivos propostos pelo governo para a liderança da CGD, com o argumento de que a acumulação de cargos noutras instituições representaria uma violação da lei portuguesa. Que tenha de ser o BCE a fazer cumprir a lei na cara de um governo que inclui os arautos da defesa da Constituição, não deixa de ser uma humilhação e um vexame e uma vergonha. O grau de amadorismo e de incompetência do governo, temperado com fanfarronice e chico-espertice, é inadmissível na gestão da coisa pública.
É inadmissível que o governo da esquerda tenha degradado a CGD a este ponto, afugentando aforradores, destruindo valor, desamparando empresas nacionais e debilitando a capacidade de intervenção pública na economia. É incompreensível que um governo, por cegueira ideológica, desde o primeiro dia de vida faça guerra à anterior administração da CGD.
É lastimável que sendo incapaz de resolver o problema do banco público, o ministro Mario Centeno tenha engolido um sapo sendo obrigado a pedir à antiga liderança para se manter em funções para lá do mandato, passando pelo vexame de se deslocar à sede da CGD – a qual, como contrapartida, exigiu garantias escritas para aceitar a demanda das Finanças, numa demonstração inequívoca da falta de confiança que as instituições e os responsáveis do setor têm em quem nos governa. É inaceitável que o governo não conheça a lei. É imperdoável que tenha envergonhado Portugal e colocado alguns dos seus melhores recursos humanos numa posição vexatória. Para além dos oito que foram rejeitados, ainda há mais três que foram aceites na condição de voltarem para a escola. Os excluídos são cidadãos com carreiras de prestígio, pertencendo à depauperada elite nacional. As Finanças não tinham o direito de sobre eles lançar o manto de mediocridade com que o governo se cobre.
Como diz o povo, o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. A gestão do dossiê CGD é um desastre do princípio ao fim.
Ficou demonstrado em três coisas muito importantes. Primeiro, Centeno acumula falhanço atrás de falhanço. Começa a ser difícil justificar a sua manutenção no governo. Segundo, caiu por terra o mito de que as esquerdas valentes nos protegem das humilhações da Europa. Pelo contrário, e como bem mostram três resgates com a impressão digital socialista, mais facilmente nos sujeitam a elas. Terceiro, as instituições europeias, com o BCE à cabeça (ironicamente, o banco de Frankfurt até tem como vice-presidente um ex-secretário geral socialista e também derrotado candidato a primeiro-ministro que é o pai do descalabro da banca nacional), desconfiam do governo. E não é por ele ser (ou pretender ser) de esquerda: desconfiam do governo simplesmente porque não é competente. Estando nas mãos destas instituições o financiamento da nossa dívida e da nossa economia, é ainda mais preocupante dado que os laços de confiança estão a ser permanentemente quebrados.
Com necessidades de financiamento crescentes e credores com menos vontade de emprestar barato, com uma dívida pública a estourar as previsões do governo e uma economia em estagnação, por entre as promessas de viragem de página, a vida não está fácil para o ministro das finanças. Que não a faça ainda mais difícil para os portugueses, tendo a coragem de arrepiar caminho, talvez seja a única coisa que se lhe pode pedir.
Escreve à quarta-feira