“Pensei sempre em criar, realizar uma obra. Era uma fascinação tal que não dava para mais nada. Foi uma gafe. Sinceramente, nunca pensei que era necessário ao mesmo tempo promover-me”, disse com bonomia Nadir Afonso ao “Público” quando, finalmente, aconteceu uma retrospetiva da sua obra em 2010, no Porto e em Lisboa, nos museus nacionais Soares dos Reis e de Arte Contemporânea (Chiado), três anos antes de nos deixar. Aos 90 anos, Nadir ainda exercia o mester e era jovial o seu olhar. Apenas a sua fragilidade física o traía na mobilidade, de tão extrema a magreza.
Sempre amigo do meu pai, desde a Escola de Belas-Artes do Porto, durante a guerra, desde menino que o admirava e via nele algo de D. Quixote, talvez pelo lado físico da figura, seca, mas talvez mais pela vertente ascética que lhe adivinhava. Realizado nos afetos, amigo dos amigos, mas indiferente à vida mundana, vivia sempre mergulhado no seu intenso mundo criativo de pintor. Também escreveu e teorizou. E há um mundo próprio numa obra de elevadíssimo apuro, original, irrepetível, e que torna Nadir incontornável no contexto da arte contemporânea.
Inaugurou-se ontem mais uma bela obra de Siza, em Chaves, o Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso. Um sonho que Nadir ainda viu nascer e tomar forma, e que Laura, sua mulher, abraçou intensamente, com a Fundação Nadir Afonso a deixar ali um importantíssimo acervo do artista que dá sentido ao sábio e luminoso espaço. Siza e Nadir em plena harmonia com as leis da matemática – e já com bom augúrio, esta exposição. Conhecimento, critério e escala farão depois a história que ontem começou. Visitem.
Escreve à terça-feira