De que espécie és tu, cuidadora?


Nasceste já assim? Há quem diga que foste escolhida a dedo 


Não sei de que matéria és feita. Não sei onde aprendeste tudo isso, onde escondes tudo isso, como fazes tudo isto. Tens sempre um sorriso a mais, mesmo quando pensas que já os esgotaste todos, não tens? Tens sempre uma palavra de consolo, mesmo quando já não sabes o que é ter colo, mesmo que o teu ombro te doa por levar todo o peso e ainda servir de descanso ao teu amor, que nele chora. Não sei de que massa és feita. Tens outras mãos, outras pernas, outras ferramentas extra? Tens, não tens? Tens um segredo qualquer, tens de ter um segredo qualquer para conseguires mandar vir o sol, se for preciso.

Como é que consegues estar em dois sítios ao mesmo tempo? Ligaram-te do emprego para resolveres aquela questão urgente e tu resolveste-a com mestria, e antes de ele acordar já estás de volta a casa, para abraçar o que realmente importa. E ele nem deu conta que tu saíste. Não, não, não me convences. Tens de ter um truque, há sempre um truque debaixo da manga…

Ou será mesmo magia?

De que espécie és tu, cuidadora? Nasceste já assim? Há quem diga que foste escolhida a dedo. Que só poderias ser tu porque, de outra forma, nada disto se conseguiria. Predestinada a cuidar dos outros, melhor do que cuidas de ti. Quem é que de ti cuida, cuidadora? Tens de precisar que te cuidem. Tens de precisar que te digam: “Descansa aqui um bocadinho.” E nesse teu bocadinho, sempre tão pequenino, já estás a pensar em tantos outros bocadinhos de coisas que tens para fazer. Nunca descansas, pois não? Só finges descansar, para descansares os outros. Até isso fazes pelos outros. Finges descansar.

Shiu… descansa de verdade, cuidadora, eles precisam de ti inteira mesmo que te dês às vezes vazia, porque já deste tudo. Descansa aqui enquanto lês este texto, cuidadora. E fica a saber que há quem saiba que tu existes, mesmo que às vezes pareça que já te esqueceste que tens corpo. Porque é de outro corpo que cuidas com perícia. És tão mestre, sabias?

É escusado corares, cuidadora, essa simplicidade tua até magoa. Caraças, não vês a dimensão dos teus atos? Não vês que se houvesse medalhas que te honrassem, terias todas e ainda as taças? Não vês que és tu quem mais doas, fingindo que não te dói, quando, na verdade, tudo isto te esmaga? Não vês que és maravilhosa? Nem sei como manténs essa cara luminosa, essa esperança que não se gasta. Como é que manténs a tua casa de pé? Não vês que és mais importante que os médicos, que és mais importante que os remédios, porque és tu que seguras as pontas, os cantos e o centro? És tu que tornas fácil, és tu que acordas de madrugada, sem nunca, nunca te queixares, és tu que fazes com que nada falte, és tu que jamais podes faltar. Começo a desconfiar que és imortal.

Sabes disto tudo, cuidadora? Ou, mesmo assim, ainda te achas insuficiente? Ainda achas que não fazes tudo, ainda achas que és egoísta por quereres pôr os pés de molho? Sei que achas que não és forte o bastante porque, quando ninguém vê, choras e desmoronas-te.

Quando te tornas vulnerável, quando finalmente te rendes, quando finalmente paras e te apercebes do que estás a passar (porque a dor está mesmo presente e já não há como a contornar nem evitar); é só aqui, quando te permites realmente sentir as coisas tal como elas são, que descobres algo extraordinário: “Afinal, eu também estou viva.”

Admiro-te tanto. De que espécie és tu, cuidadora?

Podes colocar-te à margem porque o teu foco são os teus, mas garanto-te que és tu o centro desse mundo. O mundo só gira porque tu permites isso.

Descansa aqui enquanto lês este texto, cuidadora.

Blogger

Escreve à quinta-feira


De que espécie és tu, cuidadora?


Nasceste já assim? Há quem diga que foste escolhida a dedo 


Não sei de que matéria és feita. Não sei onde aprendeste tudo isso, onde escondes tudo isso, como fazes tudo isto. Tens sempre um sorriso a mais, mesmo quando pensas que já os esgotaste todos, não tens? Tens sempre uma palavra de consolo, mesmo quando já não sabes o que é ter colo, mesmo que o teu ombro te doa por levar todo o peso e ainda servir de descanso ao teu amor, que nele chora. Não sei de que massa és feita. Tens outras mãos, outras pernas, outras ferramentas extra? Tens, não tens? Tens um segredo qualquer, tens de ter um segredo qualquer para conseguires mandar vir o sol, se for preciso.

Como é que consegues estar em dois sítios ao mesmo tempo? Ligaram-te do emprego para resolveres aquela questão urgente e tu resolveste-a com mestria, e antes de ele acordar já estás de volta a casa, para abraçar o que realmente importa. E ele nem deu conta que tu saíste. Não, não, não me convences. Tens de ter um truque, há sempre um truque debaixo da manga…

Ou será mesmo magia?

De que espécie és tu, cuidadora? Nasceste já assim? Há quem diga que foste escolhida a dedo. Que só poderias ser tu porque, de outra forma, nada disto se conseguiria. Predestinada a cuidar dos outros, melhor do que cuidas de ti. Quem é que de ti cuida, cuidadora? Tens de precisar que te cuidem. Tens de precisar que te digam: “Descansa aqui um bocadinho.” E nesse teu bocadinho, sempre tão pequenino, já estás a pensar em tantos outros bocadinhos de coisas que tens para fazer. Nunca descansas, pois não? Só finges descansar, para descansares os outros. Até isso fazes pelos outros. Finges descansar.

Shiu… descansa de verdade, cuidadora, eles precisam de ti inteira mesmo que te dês às vezes vazia, porque já deste tudo. Descansa aqui enquanto lês este texto, cuidadora. E fica a saber que há quem saiba que tu existes, mesmo que às vezes pareça que já te esqueceste que tens corpo. Porque é de outro corpo que cuidas com perícia. És tão mestre, sabias?

É escusado corares, cuidadora, essa simplicidade tua até magoa. Caraças, não vês a dimensão dos teus atos? Não vês que se houvesse medalhas que te honrassem, terias todas e ainda as taças? Não vês que és tu quem mais doas, fingindo que não te dói, quando, na verdade, tudo isto te esmaga? Não vês que és maravilhosa? Nem sei como manténs essa cara luminosa, essa esperança que não se gasta. Como é que manténs a tua casa de pé? Não vês que és mais importante que os médicos, que és mais importante que os remédios, porque és tu que seguras as pontas, os cantos e o centro? És tu que tornas fácil, és tu que acordas de madrugada, sem nunca, nunca te queixares, és tu que fazes com que nada falte, és tu que jamais podes faltar. Começo a desconfiar que és imortal.

Sabes disto tudo, cuidadora? Ou, mesmo assim, ainda te achas insuficiente? Ainda achas que não fazes tudo, ainda achas que és egoísta por quereres pôr os pés de molho? Sei que achas que não és forte o bastante porque, quando ninguém vê, choras e desmoronas-te.

Quando te tornas vulnerável, quando finalmente te rendes, quando finalmente paras e te apercebes do que estás a passar (porque a dor está mesmo presente e já não há como a contornar nem evitar); é só aqui, quando te permites realmente sentir as coisas tal como elas são, que descobres algo extraordinário: “Afinal, eu também estou viva.”

Admiro-te tanto. De que espécie és tu, cuidadora?

Podes colocar-te à margem porque o teu foco são os teus, mas garanto-te que és tu o centro desse mundo. O mundo só gira porque tu permites isso.

Descansa aqui enquanto lês este texto, cuidadora.

Blogger

Escreve à quinta-feira