Em cada três quilos de comida produzidos no mundo, um é desperdiçado. Isto equivale a 1,3 biliões de toneladas de géneros enviadas diretamente para o lixo que chegariam para alimentar 795 milhões de pessoas. E trocando os quilos por dinheiro, falamos de um desperdício de mais de 750 biliões de dólares todos os anos. Os números avassaladores foram revelados este ano pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), uma organização intergovernamental que conta atualmente com 194 Estados-membros. Portugal não é exceção.
O problema é cada vez mais grave, tanto que a própria Assembleia da República declarou que 2016 é o ano de combate ao desperdício alimentar. E o desperdício não é apenas feito pelos consumidores: começa logo na indústria alimentar e continua na grande distribuição. Todos os dias, milhares de produtos são retirados das prateleiras dos supermercados e destruídos quando ainda têm alguns dias e semanas (nalguns casos, mesmo meses) em que são próprios para consumo.
Foi para dar uma segunda vida a estes produtos “que já não têm lugar nos canais habituais” que foi lançado o supermercado online GoodAfter. Tal como o nome indica, a loja vende produtos “perto ou fora da sua data preferencial”. Sumos, café, barrinhas energéticas, sabonetes e e até snacks para cães são apenas alguns dos produtos disponíveis, neste momento, na loja.
A experiência já tinha sido replicada lá fora, mas este é o primeiro conceito do género a operar tanto em Portugal como em Espanha, por agora apenas nas regiões continentais. No norte da Europa, a ideia já foi aplicada há anos e, dadas as crescentes preocupações ambientais, prevê–se que continue a evoluir. Por exemplo, na Dinamarca abriu em março deste ano o primeiro supermercado do género, o Wefood. A funcionar em Copenhaga, a ideia de abrir o espaço partiu de uma ONG dinamarquesa que luta contra o desperdício alimentar. À BBC, o responsável pelo espaço, Folkekirkens Nødhjælp, contou que os “clientes pertencem a várias camadas da sociedade”. “Têm em comum o desejo de comprar produtos a preços substancialmente mais baixos e também de combater o desperdício de alimentos. Além disso, os clientes talvez partilhem o desejo de lutar contra a pobreza, um dos motivos por detrás da abertura do Wefood.”
Comprar coisas estragadas? Passar da data preferencial é diferente de passar de data de validade. Claro que não encontrará aqui carne e peixe, laticínios, fruta ou vegetais, todos com um ciclo de vida que não se insere no conceito do supermercado.
Como explica a empresa, “a GoodAfter não vende produtos frescos com a designação ‘consumir até’ (data de durabilidade máxima). A GoodAfter só vende produtos ‘consumir de preferência antes de’, que é a data de durabilidade mínima do produto” e todos são fornecidos diretamente pelos próprios fabricantes.
Chantal Camps de Gisbert, uma das fundadoras da empresa, explica que os produtos “mantêm todas as condições de segurança alimentar, podendo ser comercializados após a data indicada com descontos mais elevados”. E os tais descontos tornam a fatura substancialmente mais leve. Segundo a empresa, os produtos podem ser adquiridos com “custo até 70% inferior para o consumidor” quando comparado com os preços a que os mesmíssimos produtos são vendidos antes do término da data preferencial de consumo nos supermercados habituais.
Como encomendar O método é simples: basta aceder à plataforma da Good After, ver que produtos tem disponíveis e comprar. Atenção que tudo depende “da disponibilidade de stock na altura do processamento da encomenda”. Desde mercearias a produtos de higiene, a oferta é ampla. As marcas presentes no site são bem conhecidas de quem faz compras no dia-a-dia, se bem que algumas delas, mais caras do que as sucedâneas, acabam por não ser a primeira escolha da maioria da população. Se encomendar os produtos até às 13 horas, ser-lhe-ão entregues onde quiser (desde que não esteja nas ilhas) até às 19h do dia seguinte. E nas compras superiores a 49 euros não paga portes de envio.
O conceito é particularmente interessante para quem tem contas bem altas de supermercado e uma grande “rotatividade” na despensa, como as famílias numerosas. Isto porque, pelas razões naturais, não convém esperar muito para consumir os produtos que comprou.
A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) já aprovou a ideia. O i fez este fim-de-semana o teste de qualidade a alguns produtos, como arroz com caril e molho de barbecue, e garante as boas condições dos mesmos.
