Vale e Azevedo. Quando acabar pena tem de voltar a Inglaterra para não ser preso

Vale e Azevedo. Quando acabar pena tem de voltar a Inglaterra para não ser preso


Convenção Europeia de extradição estipula que após liberdade definitiva o extraditado tem 45 dias para sair do território onde esteve preso. Senão, pode responder por outros processos


O ex-presidente do Benfica João Vale e Azevedo saiu ontem de manhã da prisão da Carregueira em liberdade condicional, após ter cumprido cinco sextos da pena a que foi condenado no âmbito dos casos Ovchinnikov/Euroárea, Dantas da Cunha e Ribafria. Em causa estavam crimes de burla, apropriação indevida de dinheiro e outros ilícitos económico-financeiros. 

Por enquanto terá de ficar em Portugal, não podendo ausentar-se mais de que cinco dias sem autorização e sujeito a reavaliações periódicas, mas uma das questões que se levanta  é se no fim desta pena Vale e Azevedo poderá cumprir os dez anos de prisão a que foi condenado em 2013 por apropriação de verbas nas transferências dos jogadores britânicos Scott Minto e Gary Charles, do brasileiro Amaral e do marroquino Tahar El Khalej.

Tendo em conta o princípio da especialidade, o antigo presidente do Benfica tem o direito de regressar a Inglaterra quando ficar totalmente livre da condenação nos casos Ovchinnikov/Euroárea, Dantas da Cunha e Ribafria, uma vez que a sua vinda foi autorizada apenas para cumprimento dessa pena. Mas, se não regressar de livre vontade a Inglaterra, o mais certo é que seja preso pelas autoridades portuguesas.

“Tendo sido salvaguardado o princípio da especialidade [que dá o direito ao extraditado de não ser julgado por outros crimes além daqueles que levaram à extradição], Vale e Azevedo tem o direito de regressar a Inglaterra sem cumprir a outra pena decretada”, confirmou ao i o advogado Artur Marques, salientando que, caso o ex-presidente do Benfica não exerça o seu direito, Portugal poderá prendê-lo.

“Tem de sair de Portugal. Se não sair, naturalmente cumpre-se o mandado. Caso saia, será pedida novamente a extradição a Inglaterra. Nunca poderia ficar em Portugal eternamente impune e com uma sentença por aplicar”, esclareceu.

45 dias após libertação definitiva Segundo a Convenção Europeia de Extradição, após a libertação definitiva – que só acontecerá quando cumpridos os seis sextos da pena –, a pessoa extraditada tem 45 dias para abandonar o território onde está. Caso permaneça depois desse período, poderá então ser condenada ou cumprir penas diferentes da que deu origem à sua extradição.

Ontem, em declarações à imprensa, a advogada de João Vale e Azevedo disse esperar que o seu cliente não volte a ser preso, frisando que a sua extradição só contemplava esta condenação. 
“Juridicamente, ele está sob a alçada das autoridades inglesas e só com autorização das autoridades inglesas é que poderá ser feito qualquer julgamento ou ser aplicada qualquer medida de coação que implique uma nova detenção”, defendeu Luísa Cruz.

Vale e Azevedo em silêncio Vale e Azevedo não quis falar ontem aos jornalistas, mas a sua advogada revelou que o antigo presidente dos encarnados pretende voltar a trabalhar na área da consultoria financeira. Luísa Cruz adiantou mesmo que há várias pessoas interessadas nos serviços do seu constituinte.

O ex-presidente do Benfica chegou a Lisboa a 12 de novembro de 2012, após as autoridades inglesas terem aceite o mandado de detenção europeu expedido pelas congéneres portuguesas, para que pudesse cumprir cinco anos e meio de prisão no âmbito dos casos Ovchinnikov/Euroárea, Dantas da Cunha e Ribafria.

Inicialmente o cúmulo jurídico tinha sido fixado em 11 anos e meio de cadeia, mas em março de 2010 o Supremo Tribunal de Justiça acabou por reduzir a pena em seis anos. Isto porque este tribunal teve em conta o tempo de prisão – seis anos – que Vale e Azevedo já havia cumprido quando foi condenado nos processos Euroárea e Ovchinnikov.
Eu outubro do ano passado, o Tribunal da Relação indeferiu o pedido de liberdade condicional apresentado pela defesa: os juízes Agostinho Torres e João Carrola decidiram que não estavam cumpridas na altura todas as condições. Ainda assim,  esta não foi a primeira vez que Vale e Azevedo saiu da Carregueira esta ano: o ex-presidente do Benfica já tinha tido duas saídas precárias.

A condenação de 2013 O coletivo de juízes da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, presidido por José Barata, considerou que o presidente do Benfica, entre 1997 e 2000, teve uma conduta ilícita e beneficiou da falta de “controlo e vigilância” para “apropriar-se ilegitimamente de verbas para seu proveito próprio”. E sublinhou que Vale e Azevedo agiu “com dolo” e referiu que toda a prova documental ficou provada nas audiências de julgamento. 

“Não restam dúvidas de que [Vale e Azevedo] se apropriou de verbas que não lhe pertenciam”, referiu o juiz José Manuel Barata, que condenou ainda o ex-presidente do Benfica “a restituir ao clube” mais de 5 milhões de euros, a que acrescem juros – no total, cerca de 7 milhões.

O tribunal condenou Vale e Azevedo a quatro anos de prisão por peculato na transferência do futebolista britânico Scott Minto. Pelo mesmo crime, foi condenado a cinco anos de prisão pela transferência de Gary Charles, outro britânico.
Foi ainda condenado a três anos por abuso de confiança no que se refere à transação dos direitos desportivos do brasileiro Amaral. O tribunal atribuiu igualmente penas de dois anos de prisão pela falsificação de documento na transferência de Scott Minto e de quatro anos e meio na negociação de Amaral. Por branqueamento de capitais, Vale e Azevedo foi condenado a cinco anos de prisão – por apropriação de 500 mil libras esterlinas na transferência de Scott Minto. 

Em cúmulo jurídico, o coletivo de juízes fixou a pena em dez anos de prisão. Na altura, o advogado do Benfica, José Marchueta, considerou o acórdão “exemplar e absolutamente irrepreensível na sua fundamentação”.

Nova acusação também em 2013  No final de 2013, Vale e Azevedo foi ainda acusado num outro processo pelo desvio de 1,2 milhões no âmbito de um contrato celebrado pelo Benfica com a empresa Global Sport Net. Em causa estava a venda de direitos de transmissão de jogos.

O Ministério Público chegou a pedir ao Reino Unido a extensão da extradição a estes dois casos, mas o tribunal de Westminster recusou. Ou seja, estes dois processos encontram-se suspensos até que se saiba se Vale e Azevedo fica em Portugal depois de cumprida a pena ou se volta a Inglaterra. Se regressar, dentro de 45 dias será pedida nova extradição – caso contrário, será preso em Portugal.