Christopher Brett Bailey. “Este espetáculo tem tanto de entretenimento como de purga psicológica”

Christopher Brett Bailey. “Este espetáculo tem tanto de entretenimento como de purga psicológica”


A partir de hoje, e até dia 3, sobe ao palco da Culturgest um dos mais viscerais autores e atores da atualidade. “This is How We Die” é uma viagem entre a dor e o humor. Sem rede


O cabelo no ar, à Songoku, botas Dr. Martens, numa reminiscência do movimento punk, unhas cor-de-rosa forte, meias roídas, a pele tão clara que o próprio a descreve como “translúcida”, resultado da “herança irlandesa”. Christopher Brett Bailey é todo este mix & match de quem não se quer restringir a uma coisa só porque ninguém é, afinal, uma coisa só. Tal como o multi-premiado espetáculo que agora traz a Lisboa, no âmbito do Alkantara Festival. “This is How We Die”, em cena na Culturgest hoje, amanhã e depois é uma road trip cáustica de dor e ansiedade, mas também humor e até romance. Em palco, durante cerca de uma hora, o ator, encenador e músico. Sozinho, com uma mesa e as palavras que escreveu.

Porque era importante para si estar sozinho em palco, a visitar este texto?

Queria fazer um espetáculo sozinho. Antes tinha representado num espetáculo, que não foi escrito por mim, mas no qual estava em palco, sozinho, durante cerca de uma hora e gostei realmente desse desafio, de poder controlar a plateia. O público ouve de uma forma diferente, o que dizemos forma imagens nas suas mentes. A partir do momento em que construímos uma imagem em palco, isso já não acontece. Penso que, para este tipo de texto, é melhor fazer do palco uma tela em branco. Mais, ter muitas pessoas em palco teria enfraquecido o texto e retirá-lo do enquadramento de como é pessoal para mim.

É-lhe difícil imaginar outra pessoa a interpretar esta peça?

Seria muito estranho. Há secções que são suficientemente narrativas que penso que seria possível – aliás, há estudantes que começaram a fazê-lo em monólogos de audições. Mas a ideia de uma produção em grande escala, sobretudo em inglês, com outra pessoa no meu lugar, é muito estranha para mim. Tivemos pessoas que pediram para fazer versões noutras línguas e isso já me faz menos confusão. Aqui em Lisboa vamos ter legendas.

O tempo entre a emissão da mensagem e a recepção muda ao apresentar a peça num pais onde o inglês não é a língua materna e ainda mais havendo legendas. Preocupa-o que algumas coisas se percam?

Sim, mas ainda assim estou contente por o podermos fazer. Acho que o que vai acontecer é que haverá uma percentagem do público que vai responder imediatamente e outra que responderá uns minutos mais tarde. E isso vai afetar o ritmo da performance. Mas já fiz este espetáculo 88 vezes portanto também é bom ter um desafio um pouco diferente.

O Christopher que começou a escrever esta peça, aos 25 anos, e o que agora a representa, aos 28, são duas pessoas muito diferentes?

Há 3 ou 4 anos, quando comecei este processo, em Inglaterra, havia muito teatro com um tom gentil para com o público, havia uma espécie de contrato de confiança e verdade, de pessoas no palco que realmente estavam a ser elas próprias e a contar histórias autobiográficas. Este espetáculo nasceu como uma espécie de parodia a tudo isso. Estou a falar na terceira pessoa, a fingir que estas coisas me aconteceram, mas elas vão sendo cada vez mais surreais e satíricas e violentas. E depois a narrativa é contrabalançada com uma espécie de narrador cuja opinião vai variando. Quando comecei a escrever acho que não havia nada literal na minha cabeça, foi um processo de escrita livre. Escrevi cerca de 400 páginas e o guião tem 35. Algumas entradas eram uma espécie de listas de compras, as outras eram mais no registo “meu querido diário”. Mas depois havia temas em comum suficientes para reunir de uma forma que espero que seja coesa. Agora, se me perguntar de onde vem a agressividade ou o tom emocional do espetáculo, diria que não é mais uma resposta aos sentimentos dos outros do que é um exorcismo de todos os sentimentos de alienação e raiva que eu tinha naquela altura. Ou seja, há aspetos de mim nesta peça, apesar de ela não ser autobiográfica. Curiosamente, entretanto já comecei a escrever um novo projeto e percebi que algumas das coisas com que este espetáculo lidava, já não estão na minha cabeça.

Como por exemplo?

Muito deste espetáculo tem a ver com género e com viver segundo uma norma masculina em relação à qual me sentia muito oprimido ao crescer numa cidade pequena do norte da América. Por isto, a minha escrita na altura em que fiz este texto, parecia estar sob uma nuvem de ansiedade em torno dos temas da sexualidade e da masculinidade. Agora sinto que, de certa forma, já lidei com isso. Este espetáculo permitiu-me a clarificar a minha própria identidade e sou seguramente mais feliz agora. Na minha vida pessoal, nas minhas relações e agora também na minha vida profissional porque este projeto é o que mais me orgulha no meu percurso. E ainda por cima tem sido sempre recebido com muito amor. Mas há outras centelhas que voaram para fora desta peça e que agora constituem as novas coisas que estou a fazer. Há ideias que vejo semeadas neste texto mas que ainda não tinha visto realizadas e agora sinto necessidade de me focar nelas. A escrita é uma espécie de processo subconsciente de desimpedir a mente o mais depressa possível e portanto há coisas que, quando escrevemos, nem sequer entendemos na totalidade. Mas agora que já as li centenas de vezes parece que tenho um entendimento mais claro.

Existindo essa carga pessoal é, de alguma forma, difícil cada vez que sobe ao palco com este texto?

De forma alguma. É sempre uma alegria. Este é um espetáculo pesado, mas parece uma experiência sagrada. Sinto-me um sortudo por o poder fazer. E sinto que a minha sanidade está mais intacta porque sou capaz de a canalizar em algo construtivo. E espero que seja uma experiência catártica para o público, pois em palco eu torno-me numa espécie de avatar para as suas próprias dores. Neste espetáculo há muita dor e ansiedade, mas também muito humor, romance, otimismo. Tentei equilibrá-lo. Não queria fixar-me na negatividade. É tanto um espetáculo de entretenimento como é uma purga psicológica.

Um crítico inglês disse sobre esta peça que era “teatro ao qual se empresta a alma”. É assim que entende o teatro hoje em dia?

Não tenho a certeza se me preocupo com o teatro como um todo ou sequer se tenho uma opinião. Algumas das minhas experiências favoritas como público aconteceram num teatro, mas não sou um fã da forma de arte em si. Tive muitas mais experiências profundamente tocantes com concertos, com standup comedy, com cinema. Isto tem a ver com o facto de serem formas de arte mais comerciais e portanto há mais por onde escolher. Neste sentido, o teatro é uma forma de arte inferior. Mas não me sinto qualificado para falar do teatro como um todo. E a verdade é que esta peça acontece num teatro mas tem tanto de teatro como tem de cinema, de literatura e de música.

Falou em música, que é uma espécie do seu lado B.

Sim. Tenho uma banda de música clássica experimental, muito calma, chamada Moon Ate The Dark, e tenho uma banda experimental muito barulhenta chamada This Machine Won’t Kill Fascists. Ir em tournée com estes projetos foi fundamental para este espetáculo, sinto que a escrita é uma espécie de rock‘n’roll verbal. Aliás, o meu objetivo foi sempre obter do público que vê esta peça uma reação a la rock‘n’roll. Queria traduzir a intensidade, a sexualidade, o sentimento de ritual em algo que convencionalmente não tem esses aspetos. Este é o teatro do sex, drugs and rock’n’roll.