O encontro em Roma era para montar um negócio de exportação de produtos portugueses e o dossiê com informações da Nato estava na sua mochila porque era habitual Frederico Carvalhão Gil levar documentos dos serviços, para poder estudá-los e trabalhar em casa. Segundo o i apurou foi esta a versão apresentada pelo espião português na terça-feira, durante o interrogatório conduzido pelo juiz de instrução criminal Ivo Rosa. Carvalhão Gil disse ainda que desconhecia por completo que o homem com quem se reunira pertencia aos serviços de informações russos.
As explicações não terão convencido o juiz, nem os dois procuradores da República presentes. Ontem, o juiz decidiu aplicar a medida de coação mais gravosa: prisão preventiva. O i sabe que foi invocado o perigo de fuga e que um dos motivos é o facto de o espião ser casado com uma mulher da Geórgia, que vive atualmente no seu país. O espião vive em Lisboa com a sua mãe e mantém ainda fortes relações com pessoas do Leste europeu.
Apesar de ter aplicado a prisão preventiva, o juiz pediu aos serviços prisionais e de reinserção social para fazerem um relatório sobre a possibilidade de Carvalhão Gil passar para prisão domiciliária. Um dos fatores que mais contribuíram para a hipótese de alteração da medida de coação é o receio de que a sua segurança esteja em perigo na cadeia.
Respostas Vagas Durante cerca de uma hora, período em que esteve no Tribunal Central de Instrução Criminal, o quadro do SIS explicou ao juiz Ivo Rosa e aos procuradores Vítor Magalhães e João Melo, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que estava a planear abrir um negócio com Sergey Nicolaevich Pozdnyakov, um homem que sempre pensou ser empresário russo.
Carvalhão Gil, que terá dado sempre respostas vagas, esclareceu ainda os contornos em que conheceu o seu parceiro russo: foi por acaso, num café de Lisboa, numa noite em que foi sair.
Esta foi uma das situações em que Carvalhão Gil foi apanhado em contradição relativamente às provas reunidas no processo. É que durante os vários meses em que foi vigiado, não foram registados quaisquer contactos entre o agente do SIS e o alegado “empresário” russo. A investigação acredita, aliás, que os encontros futuros eram combinados no final de cada reunião que tinham, para não haver registos de telefonemas ou de e-mails.
10 mil euros e dados da Nato Segundo Carvalhão Gil, os 10 mil euros que recebeu do russo durante o encontro num esplanada de Roma, poucos minutos antes de serem detidos em flagrante pelas autoridades italianas, não eram para pagar informações, mas sim despesas para a constituição da empresa que planeavam abrir. Dez mil euros em dinheiro vivo é o máximo permitido por lei para se transportar em viagens aéreas.
Ainda assim, o espião português assumiu que tinha documentos secretos da Nato na mochila que levou ao encontro com Sergey. Questionado sobre a coincidência, Carvalhão Gil justificou que costumava levar documentos dos serviços para poder estudá-los mais tarde, em sua casa ou noutros tempos livres.
Garantiu ainda que teve acesso a esses documentos no âmbito das suas funções no SIS.
Tinha 30 mil euros em casa Nas buscas feitas à sua residência de Lisboa, onde vive com a mãe, os inspetores da PJ encontraram 30 mil euros em dinheiro vivo. Para a investigação, este é mais um indício de que Carvalhão Gil recebia dinheiro pela venda de informações sigilosas. Dinheiro que não depositava, com receio de ser apanhado.
Os crimes Carvalhão Gil foi detido a 21 de maio em Roma, numa esplanada do bairro de Trastevere, quando trocava envelopes com Sergey Nicolaevich Pozdnyakov, membro dos serviços russos. O português é, por isso, suspeito de ter praticado crimes de espionagem, violação do segredo de Estado e corrupção.
As autoridades italianas deferiram o pedido de extradição feito por Portugal e Carvalhão Gil chegou a Lisboa no domingo à noite, no último avião da TAP vindo de Roma, sentado na última fila e sob fortes medidas de segurança. A extradição para Lisboa, à qual o arguido não se opôs, foi decidida em tempo recorde pela justiça italiana, que está ainda a decidir a extradição de Sergey Nicolaevich Pozdnyakov – que ontem foi ouvido num tribunal de Itália.
As ligações entre os dois homens continuam a ser investigadas, bem como a dimensão das trocas de informações e respetivas consequências. Isto porque o encontro de Roma não foi o primeiro entre Sergey e Carvalhão Gil, além de que parte da documentação da NATO lhe estaria inacessível por ordens superiores. Há, por isso, suspeitas de que teria cúmplices no SIS e noutros serviços, existindo ainda a hipótese de ter obtido dados de outras entidades portuguesas para vender aos russos.