António Costa enterra o bloco central até ao final da legislatura. Na moção estratégia ao Congresso, o secretário-geral do PS não deixa margem de manobra para as aproximações à direita que Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu no discurso do 25 de Abril. A estratégia de Costa está toda à esquerda e o objetivo, reafirma o líder socialista, é mesmo chegar ao fim da legislatura.
Costa coloca de forma clara o que separa o seu partido do de Passos Coelho, assumindo “o confronto com a ideologia neoliberal e a proposta política de um Estado Mínimo ou de uma função meramente assistencialista do Estado” e explicando que o que está em causa são dois modelos alternativos de governação sem grandes pontes à vista.
“Hoje a diferenciação entre o Partido Socialista e a direita não passa apenas pelas políticas sociais, seja ao nível das prestações seja ao nível dos serviços públicos. Passa também, de forma clara e determinante, pela política económica e pela conceção das reformas de que Portugal precisa”, lê-se no texto da moção “Cumprir a alternativa, consolidar a Esperança” a que o i teve acesso e que será hoje oficialmente divulgada.
O líder do PS explica que essas diferenças que opõem o seu partido às ideias de PSD e CDS fazem com que os parceiros naturais dos socialistas estejam à esquerda. E reforça a ideia de que a solução encontrada de apoio parlamentar ao Governo é muito mais sólida do que a ala à direita do hemiciclo gostaria que fosse. Há uma semana, António Costa ironizava: “É geringonça, mas funciona”. Agora, no documento de 34 páginas que define a estratégia política para o PS, a ideia é a de que os acordos com BE, PCP e PEV são para garantir um governo até ao final da legislatura.
António Costa está mesmo convencido de que o “virar da página da austeridade” não se esgota na reposição de rendimentos prevista nos acordos à esquerda e já concretizada. “Para cumprir estas tarefas, não basta um governo generoso mas provisório, findo o qual seria oferecida à direita a oportunidade de repor a sua ruinosa política de austeridade (como aliás declarou ser seu propósito na proposta que recentemente apresentou para rejeitar o Programa de Estabilidade)”, reforça o líder do PS, lembrando que “os partidos signatários dos acordos celebrados à esquerda fizeram questão de enunciar, de forma inequívoca, o seu propósito de viabilizar uma solução governativa duradoura, na perspetiva da legislatura”.
O fim do bom aluno “A simples existência de acordos escritos entre o Partido Socialista e os partidos que com ele formam a nova maioria parlamentar confere à atual solução governativa uma solidez e um horizonte de estabilidade bem superior à de qualquer dos governos minoritários que anteriormente existiram na democracia portuguesa – e foram vários”, sublinha-se no texto, onde o líder do PS não esconde o que o separa dos partidos mais à esquerda na visão sobre os compromissos europeus.
“Quer isto dizer que a maioria de esquerda na Assembleia da República se reconhece abertamente como plural e não ignora, não ilude e muito menos esconde as suas diferenças”, explica-se na moção de António Costa, que volta a sublinhar o empenho do PS na construção europeia. “O PS nunca teve dúvidas sobre o projeto europeu, nem as tem agora”, afirma-se no texto que frisa, contudo, a importância de deixar o estatuto de “bom aluno” que era desempenhado na União Europeia pelo anterior governo PSD/CDS.
“Não se trata, evidentemente, de perfilhar uma atitude de confronto com as instituições europeias: há bastante mais por onde escolher entre a obediência e a subserviência. Do que se trata é de participar mais ativamente, e com espírito construtivo, no projeto europeu”. A estratégia de Costa é a de contribuir para mudar as regras no seio da Europa em vez de rasgar os tratados. É isso que está já a fazer no seio do Eurogrupo, participando no debate em torno dos conceitos de défice estrutural e PIB potencial. Não haverá do governo a atitude de desobediência que BE e PCP prefeririam, mas António Costa está convencido de que pode lutar contra a austeridade negociando regras novas no âmbito europeu e aproveitando a força de outros países do sul da Europa que poderão servir de aliados, como a Itália, a Grécia ou até a França.
Sem nunca se referir diretamente ao Presidente, apesar da intenção expressa de manter as boas relações institucionais, a moção de orientação estratégia do líder socialista reforça a ideia de que o governo responde apenas ao Parlamento. “A componente parlamentar do nosso sistema de governo é não apenas essencial mas em larga medida dominante, traduzindo-se não apenas no papel do Parlamento na legitimação política e na formação do governo, mas também no facto de o Executivo responder politicamente, e em exclusivo, perante a Assembleia da República, a cuja fiscalização política naturalmente se submete”, escreve-se no documento. O recado está implícito: numa altura em que parece evidente que o Marcelo se quer pôr cada vez mais como uma peça central no xadrez político, António Costa sublinha que é no Parlamento que quer ver o eixo deste ciclo político.