João Lagos. “Bati no fundo, estou falido e fui enxovalhado, mas estou de volta”

João Lagos. “Bati no fundo, estou falido e fui enxovalhado, mas estou de volta”


Há uns anos, a vida sofreu um safanão, ficou sem tapete, abriu falência. Foi “ao fundo do poço” com a crise, as suas empresas entraram em insolvência e teve de abdicar de vários projetos. Quer voltar e, diz, está por dias


O i faz sete anos amanhã e, para provar que na vida não há coincidências, o primeiro número do Desporto abria nesse 7 de maio de 2009 com uma reportagem no Estoril Open e com o apropriado título “Nesse instante tudo mudou”, pedindo emprestado o slogan do i. Passaram sete anos e muita coisa mudou: o jornalista Pedro Candeias está no “Expresso”, James Blake deixou o ténis e João Lagos já não é o dono e senhor da prova de ténis mais conhecida do país. Falámos com Lagos várias vezes para passar em revista a sua vida, desportiva, familiar e empresarial. Dos sucessos aos fracassos e como vive com esse passado e presente, e como prepara o futuro.

Na altura, quando anunciou que o torneio iria deixar o calendário ATP, utilizou no comunicado da João Lagos Sport termos do ténis para a despedida. “Foi o mais longo encontro de ténis. Chegou a um quinto e último set, com troca de match-points constantes entre mim e o adversário, mas, por mais winners que tenha assinado ao longo de 25 anos, e foram muitos, acabei por ceder exausto, depois de deixar tudo em court.”

Não perde o humor, como quando nos pediu as fotografias para ver como está a envelhecer. É amigo de Marcelo Rebelo de Sousa e a recente eleição para a Presidência da República deixou-o feliz. “É um dos meus grandes amigos, sonhou toda a vida chegar ao topo.” Diz-se feliz com o sucesso dos outros e fica furioso com quem tenta passar-lhe a perna. Em linguagem tenística, depois de vários encontros bem-sucedidos, está noutra final, falhou o primeiro serviço e tem nova oportunidade. Agora para relançar novos projetos. Dupla falta ou ás, foi o que lhe perguntámos nesta entrevista.

Esteve no ténis, surf, vela e automóveis. Não é velocidade e adrenalina a mais?

…e também no ciclismo, hipismo, golfe, etc., etc.! Em excesso só se for a paixão pelo desporto e a ânsia de demonstrar e promover os seus infinitos valores. Velocidade sim, claro, para recuperar do atraso que nos separa dos países que vão muito à nossa frente. A adrenalina era no dar a mão aos carolas das outras modalidades que lutavam pelas suas, mas são as mesmas causas.

Praticou e organizou. Mas parece que é mais um organizador de jogo do que praticante…

A vida de promotor superou a de atleta, já que esta é forçosamente mais curta. Mas são as frustrações do atleta, derivadas da sistemática falta do devido apoio e compreensão política para o desporto, que espoletam a minha vocação de lutar contra isso.

Do Estoril Open, que é uma das suas grandes marcas, qual é a sua melhor recordação, a que guarda com maior carinho?

É a “Marca” que marca a minha carreira – simbolizada no logo criado pela consagrada Maluda e nascida em Cascais, onde se realizaram as duas primeiras edições, 1987 e 1988. O primeiro grande e recordado sucesso dá-se ao ser convidado pelo ATP a apresentar candidatura à participação e fundação do ATP Tour em 1990, e ganhá-la!

Nessa primeira edição, em 1990, esperava que o torneio atingisse tanta fama?

Sempre acreditei no êxito dos meus sonhos e por eles dei tudo o que tinha e mais ainda – a tal superação reconhecida nos campeões.

Como convencia os números 1 a vir jogar?

Dou-vos os telefones e eles que vos respondam… (risos). Lendl, Bruguera, Muster, Moya, Ferrero, Djokovic ou Federer…

Quem foi que quis e não conseguiu trazer?

Nenhum. O próprio rei Nadal cá esteve e só não ganhou por se ter lesionado.

Quais foram, desportivamente falando, os pontos altos do Estoril Open?

Para mim, sempre foi a entrada no quadro principal, por mérito próprio, dos jogadores portugueses. Foi por eles que me envolvi nesta cruzada de vida. Cada vitória era um festejo e o apogeu foi a chegada do Frederico Gil à sua final.

E mais baixos?

Precisamente a derrota do Gil após ter liderado o terceiro set com dois breaks a seu favor. Teríamos tido um campeão português.

Foi o cancelamento do Dakar que precipitou o descalabro financeiro? Quando as ameaças terroristas obrigaram a cancelar tudo à última hora?

Fundamentalmente, sim. Tínhamos a empresa bem estruturada, quase cem pessoas a trabalhar, quando estoirou tudo em 2008. Rebentou com tudo. Estava tudo pronto para começar, tinha pensado as coisas não para um ano, mas para três, e investido imenso nisso. Tentei que o rali fosse de Lisboa a Rabat, mas nem a garantia de colaboração do rei de Marrocos foi suficiente para convencer os organizadores do Dakar. Eu, com o meu otimismo incansável, acreditei até ao último segundo, mas no final de nada valeu. Num instante fiquei sem chão. Sim, posso dizer que prejudicou a minha vida toda.

Foi ambicioso ou otimista demais?

Além do dinheiro gasto na organização, já tinha investido noutros projetos e tinha contratado pessoal para novos eventos, a contar com o financiamento que viria do acordo para organizar a festa de encerramento do rali nos três anos seguintes. Acelerei demais, estava a contar com esse cash-flow e, de repente, fiquei sem chão. Prejudicou a minha vida toda.

Depois de 25 anos no Estoril Open, como olha para a prova que criou? É como olhar para um filho que consegue caminhar ou sente-se em paz?

A prova em si morreu. Mas não a marca que eu criei e tornei famosa – essa está com o pai no seu cofre-congelador, aguardando melhores dias. Só que o cofre foi assaltado e a marca anda a ser abusiva e oportunisticamente usada por quem não a merece sequer, mas isso é outra história. Quando foi registada vi que queriam cavalgá-la, usar o prestígio que conseguiu criar à sua volta. Ver isso depois de 25 anos a crescer e estar outro agora a usar… é difícil. Registei a marca e outros registaram depois de mim, que foi quando percebi que alguém tencionava usá-la. Fi-lo agora porque, antes, registar marcas com nomes de terras era proibido.

Custou-lhe ver o torneio entregue à 3Love?

É uma sociedade formada pela empresa alemã U.COM, com quem trabalhei. Cheguei a propor sociedade, mas não aceitou.

Está a falar do empresário holandês Van Veggel?

Sim. Veio cá jogar aqueles torneios-satélite e ficou por cá, com o irmão. Esse sim, é que fazia os negócios. Tínhamos uma relação próxima, apresentei-lhe o projeto. Não se descoseu, podia ter feito, trabalhámos durante muitos anos. Depois houve ainda o João Zilhão, diretor do Open desde o ano passado. Começou comigo, a apanhar bolas, e estava a preparar tudo para ele me suceder. Sou muito amigo da família e não quis fazer mais nada por causa disso. Foi uma traição. Foi este grupo que se juntou para comprar a licença. Em vez de se aliarem a mim, preferiram pagar 2 milhões por uma licença nova. Com isso, a minha empresa tinha sobrevivido. Foi uma malandragem. Quem quer protagonismo fica na sombra porque, por mais que me esconda não me consigo esconder, tenho obra e história feitas, é reconhecido, mas preferiam ser eles a brilhar. Se tivesse conseguido renovar a licença, bem podiam ir fazer o torneio para a China…

Onde é que entra o Jorge Mendes, o empresário de futebol?

Tentei vários apoios e admiro a possibilidade de ter um sócio que goste tanto como eu de desporto. Bati a duas ou três portas. Coincidentemente falei com o Jorge Mendes, nunca diretamente, mas com um sobrinho dele, e isso se calhar terá sido um dos erros para não ter conseguido levar adiante o projeto. Conheço o Jorge Mendes. tivemos uma relação pontual mas nada demais, mas o projeto não teve evolução, eram necessárias decisões estratégicas mais profundas. Ainda ouviram a minha apresentação, contei-lhes bastante da ideia, mas não resultou.

Acha que tem legitimidade sobre a marca Estoril Open?

A legitimidade, na minha opinião, está feita em 25 anos, de quem investiu, de quem prestigiou o nome, o desporto e o local, de quem a tornou conhecida. Quem foi que lhe deu valor que não eu? Chamem-lhe outra coisa qualquer, Estoril Trophy, Estoril Championship, o que quiserem, menos Estoril Open, isso sim, é um abuso. Deem-lhe outro nome, gosto de ténis e quero que cresça ainda mais, mas usem outro nome. Até o sítio: podia ser no Porto ou no Algarve…

Prejudica-o que usem o nome?

Claro. Usei a marca Estoril Open noutros torneios, como no golfe, por exemplo. E é uma coisa que nasceu e cresceu comigo. O Estoril Open nasceu em Cascais, na Quinta da Marinha, e só depois de crescer não teve outro remédio senão ir para o Jamor, porque não cabia naquele sítio. Só continuei a chamar Estoril porque era a costa que tinha esse nome.

O que falta para ter o domínio da marca?

Estou à espera da decisão da instituição que tutela as marcas, desde o ano passado. Posto isto, vi-me forçado a defender a minha marca. Se estou a usar ou não, só diz respeito a mim e mais ninguém. É como com os relógios ou com os carros antigos que estão na garagem – só saem à rua quando se quer.

Ver agora a Câmara de Cascais a apoiar o evento incomoda-o?

Até é bom para o desporto, gosto e aprecio. Também gostava que tivesse feito o mesmo comigo. A mim ninguém me ajudou, nunca simpatizaram, não sei. As marcas sim, apoiaram-me e fizemos negócios. Agora, agrada-me o empenho que a câmara tem tido e o impulso que tem emprestado, e ainda bem que empresta, mas a mim nunca o fez. Bem procurei um sítio, mas o Jamor já não era bem, era Oeiras e não Cascais. Mas é como o Dakar… a propaganda é sempre bem-vinda. Há alguém que queira perder esse nome? Mudou de sítio, nem está em África já, mas mantém o nome Dakar, apesar de ser na América do Sul.

Fizeram-no por causa da marca?

Sim, é óbvio. é uma marca forte, com impacto. E agora têm este apoio, como trouxeram o torneio aqui para o Estoril… Também gostava de usar o apartamento e o helicóptero do vizinho, mas não posso. Sou o pai desse animal, fui eu que o criei, que o fundei, que o fiz ser aquilo que foi. Depois disso deu até para trazer para o Masters [em 2000] à custa da excelência da nossa organização: qualquer pessoa de boa-fé associa o nome a mim. Ignorar o nome é que é feio. Só não faço mais guerras porque é desagradável para a modalidade, mas deixo-me prejudicar por não fazer mais guerra. Mas enfim, adoro esta modalidade.

É por causa do dinheiro?

Não quero dinheiro nenhum. A vir alguma coisa, ia para uma caridade. Só que é aquela sensação desagradável, de que ninguém gosta, que me estão a apalpar e eu não gosto que me apalpem. Se a miúda for gira, ainda pode ser, de resto não gosto. Roubo é roubo. Mesmo a roubar um pobre não deixa de ser roubo. É um valor que não tenho intenção de colocar à venda. Tenho projetos para essa marca e para onde podia levá-la. E depois estou privado de avançar para esses projetos porque tenho receio de poder estar a investir e depois sair alguma decisão injusta, de uma juíza qualquer como a outra.

Isso foi quando tinha tudo pronto para avançar e foi travado pelo tribunal?

Tinha o próprio Millennium que queria continuar, já tinham comprado a ideia. Até fiquei amigo do administrador judicial, chegámos a acordo com 80% dos credores para um perdão de 40% da dívida, que era de oito milhões [o resto seria pago em sete anos]. Festejámos e tudo, o acordo, mas a juíza, uma atrasada mental, que tinha de aprovar, que tem de homologar, chumbou o plano. Foi um golo tremendo porque um mês depois essa lei foi alterada, e basta agora os credores estarem de acordo. Com mais de dois terços já não é preciso, e isso já tínhamos. Até nisso eu tive azar. Esta coisa dos PER [processo especial de revitalização ] é para salvar empresas, e não para enterrar. Para salvar postos de trabalho. O que a juíza tinha de fazer era dizer “boa sorte” e dar os parabéns. Fez umas contas maradas e não homologou, por não terem sido incluídos na lista alguns credores a quem até já tinha pago as dívidas para garantir que o Estoril Open se realizasse nesse ano.

O que aconteceu à João Lagos Sports e porque é que deixou de ter condições para continuar a organizar o maior torneio de ténis do país, vendo-se obrigado a pedir o PER?

O mesmo que aconteceu a tantas outras empresas de referência que, perante o caos financeiro do próprio país, sucumbiram. Mas não fora a escandalosa incompetência de uma senhora juíza que não homologou o nosso PER, apesar do apoio de 80% dos credores amigos, e já com um novo title sponsor na calha, ainda hoje o Open, como sempre dirigido pelo seu pai e criador, estaria no Jamor – a verdadeira catedral do ténis e do desporto em Portugal, e neste caso o único local com o espaço adequado a um evento/espectáculo que ambicionava continuar a crescer e fazer frente aos melhores do mundo.

Foi essa juíza a culpada do fim do Estoril Open?

Foi o golpe final, um erro notável de uma juíza atrasada mental – um mês depois, essa lei foi alterada. Com isso, tinha ultrapassado as minhas dificuldades. Ela fez uma triste figura e fez com que outros que estavam à espera que eu borregasse ganhassem.

E a sua ligação ao BES também não o prejudicou? O banco detinha 19,5% do capital da João Lagos Sport.

Sempre fui distante na minha proximidade. Ajudou muita gente e sobretudo empresas. Podia ter tido outro final, um dia se tirarão as devidas conclusões. A minha empresa tinha riscos e, para conseguir essa grandiosidade – as minhas ideias eram sempre grandes para o país -, tinha de arriscar. Se fosse fácil, havia muita gente a fazer.

Quem é Pedro Rebelo Pinto e que peso teve o administrador do BES na JLS?

Tinha duas empresas de capital de risco e tinha dois administradores, ele era um deles. Acabaram ambos por ir embora sem terem feito o trabalho.

Tem novos projetos?

Nem projetos nem energia me faltam, assim o país evolua economicamente e em compreensão dos valores do desporto e dos eventos que o promovem.

Tem necessidade de voltar ou gosta de estar no lado do espetador?

Sinto que ainda faço mais falta em campo. Fui ao fundo. Falido, reformado e enxovalhado, mas quis apostar outra vez. Tenho novos projetos, dentro de dias haverá novidades.