Hillsborough. A maior tragédia do futebol não foi um acidente

Hillsborough. A maior tragédia do futebol não foi um acidente


A morte de 96 adeptos do Liverpool no estádio, há 27 anos, foi homicídio, decretou o tribunal


Não foi acidente, foi homicídio. Passaram mais de dois anos de exposição de provas na mais longa investigação judicial em Inglaterra, foram ouvidas 800 testemunhas e passaram 27 anos desde que o superintendente da polícia do sul de Yorkshire, David Duckenfield – que esteve à frente da operação da meia-final da Taça de Inglaterra, em Hillsborough entre o Liverpool e o Nottingham Forest – admitiu de forma avassaladora ter tido falhas graves com ligação direta às causas da morte de 96 pessoas, esmagadas, naquele 15 de abril de 1989. A decisão foi tomada ontem pelo tribunal de Warrington, cujos jurados (seis mulheres e três homens) chegaram a um veredicto por maioria de 7-2.

Duckenfield foi acusado de “negligência muito grave”. E ele próprio admitiu agora ter contado uma “terrível mentira” quando disse que os adeptos correram para os portões oito minutos depois de o jogo ter começado, em vez de ter reconhecido que foi ele quem deu autorização para abrir os portões. Essa ordem permitiu que cerca de dois mil adeptos entrassem num estádio já lotado com 54 mil pessoas.

A decisão do tribunal concluiu ainda que o comportamento dos adeptos do Liverpool não contribuiu para o incidente em Sheffield, que provocou também centenas de feridos, como tinha sido proferida na primeira sentença, em 1989. Ou seja: o que aconteceu aos 96 adeptos – com idades entre os 10 e os 67 anos e cujas mortes ocorreram “entre as 14h57 e 16h50” – não foi um acidente, mas homicídio, atribuído à polícia.

Os jurados consideraram que a polícia cometeu erros não só no planeamento da segurança da meia-final da Taça de Inglaterra, como no dia do jogo, que contribuíram para o acidente mais grave ocorrido nos estádios de Inglaterra. Para chegar aqui, foi aberto um novo inquérito, ordenado em 2012 após forte pressão das famílias das vítimas e na sequência da anulação do veredicto inicial. Ontem, os familiares saíram do tribunal aos abraços, a chorar e alguns até a cantar o hino do Liverpool (You’ll Never Walk Alone).

Esta decisão permite fechar de vez uma das páginas mais dolorosas do desporto inglês. O jogo só durou seis minutos, mas para os adeptos do Liverpool será sempre um jogo interminável, como testemunhou o ex-capitão Gerrard – que perdeu um primo nesse dia fatídico – quando no passado dia 15 foi relembrada a tragédia de Hillsborough. Sem poder estar presente em Anfield, onde compareceram 25 mil adeptos, o médio inglês agora a jogar em Los Angeles, no Galaxy, pediu uma autorização especial ao árbitro: “Foi uma noite muito emotiva para mim, com o memorial a Hillsborough em casa. Pedi se podia usar um fumo para saudar todos lá em casa e dar as minhas condolências”.

Cameron felicita júri. O primeiro-ministro britânico David Cameron felicitou o júri de Warrington por ter proporcionado “a merecida justiça” aos 96 adeptos. “É um dia histórico, com a investigação sobre Hillsborough a oferecer a merecida justiça após tanto tempo aos 96 adeptos do Liverpool que morreram nesta tragédia”, escreveu no Twitter, menos de uma hora depois de ter sido conhecida a decisão, às 11 horas.

A polícia responsável pelo estádio disse que aceita o veredito “inequivocamente” e pediu desculpa às famílias pelas falhas. Os familiares cantaram “Justice for the 96”. “Estamos há muito a subir a montanha, mas queríamos parar”, disse à agência AP Margaret Aspinall, cujo filho James, de 18 anos, morreu em Hillsborough. “O desastre de Hillsborough mudou a maneira como os principais eventos desportivos são policiados e ensinou-nos muitas lições”, disse, por seu turno, o chefe da polícia do sul de Yorkshire, David Crompton: “Hoje, com o desenvolvimento das práticas, comunicação e tecnologia é quase impossível imaginar que uma situação igual possa ocorrer”.