Cuba. No último discurso, Fidel evocou a morte pela primeira vez

Cuba. No último discurso, Fidel evocou a morte pela primeira vez


O antigo líder cubano foi ao VII Congresso falar de despedida e morte. E lembrou a força da geração revolucionária e as ideias dos comunistas cubanos, que “permanecerão neste planeta” 


Fidel Castro sobreviveu a mais de 600 planos de assassinato da CIA para se tornar o líder com maior longevidade no poder. Do século XX passou para o novo milénio sentado na cadeira de uma Cuba que deixou de ser revolucionária para ser um estado comunista, plantado no quintal dos EUA. Durante mais de meio século a sua própria existência foi uma caixa de piadas sobre as superpotências que o tentaram matar, esconder ou isolar. Os rumores da sua morte apareciam de todo o lado, incessantes. Em vão. O “comandante” pareceu sempre imortal e contra isso os EUA nada puderam fazer.

Os presidentes americanos sucederam-se na Casa Branca – foram dez –, o Muro de Berlim caiu, Cuba abanou, Fidel ficou doente com uma crise intestinal que quase o matou, mas resistiu. Abdicou do poder, cedeu-o ao irmão Raúl em 2008 e deixou a linha da frente política. Agarrou-se à vida e sempre que pôde atacou o inimigo capitalista. Até ontem.

Pela primeira vez foi Fidel a evocar a morte, a falar da sua própria morte e, aparentemente, para se despedir. Usou o discurso na sessão de encerramento do VIIcongresso do Partido Comunista Cubano, realizado em Havana, no qual o seu irmão mais novo, Raúl Castro, foi reeleito como líder do partido, a única organização política permitida em Cuba. O nonagenário Fidel (faz 90 no dia 13 de agosto) foi recebido com um estrondoso aplauso dos fieis do PCC. De fora ficam os meios de comunicação estrangeiros, num congresso que acontece aproximadamente a cada cinco anos e que serve de pêndulo ao futuro do sistema político e económico da ilha.

Fidel mostrou-se débil, magro, curvado. Trocou o uniforme militar verde-azeitona e apareceu enfiado no azul fato-de-treino da Adidas. Foi assim que apareceu na televisão estatal de Cuba, uma transmissão com delay e editada. O homem rebelde que derrubou Fulgencio Batista em 1959 e que inspirou gerações de várias esquerdas, utilizou um tom rouco a soar a despedida, apoiando-se nas notas e interrompido aqui e ali com os gritos do seu nome espalhados pelo pavilhão. “Estou quase a fazer 90 anos, nunca tal coisa me ocorreu antes e não é o resultado de qualquer esforço; foi o capricho do destino”, disse acerca da sua saúde, um assunto até aqui tabu na ilha. E fê-lo através de uma voz arrastada, ao lado do seu irmão Raúl. Foi mais longe: “Serei como qualquer um. Há-de chegar a minha vez como chega a todos”, disse num discurso que não ultrapassou os dez minutos, longe das célebres prosas de várias horas.

Os comentários, sem precedentes, vieram no final de três dias do congresso do partido que fundou em 1965. “A todos chega a sua vez, mas os ideais comunistas cubanos continuarão como prova de que neste planeta, se trabalharmos com fervor e dignidade, podemos produzir os bens materiais e culturais que os homens precisam e devemos lutar sem tréguas para os obter.” 

Raúl falou no encerramento do Congresso e disse que irá deixar o cargo em fevereiro de 2018, quando completar o segundo mandato de cinco anos. Até lá, ele que é ao mesmo tempo presidente e primeiro secretário do partido, espera mudar a Constituição para que ninguém possa manter um alto cargo por mais de 10 anos. Aos 84 anos, também quer limitar os 60 anos para a entrada de novos membros no Comité Central, e lembrou que este foi o ultimo congresso liderado pelos atuais líderes, apontando para uma transição geracional. “Este VII Congresso será o último liderado pela geração histórica.”