A alma lavada


“Morre menos gente de cancro ou de coração do que de não saber para que vive; e a velhice, no sentido de caducidade, de que tantos se vão, tem por origem exatamente isto: o cansaço de se não saber para que se está a viver.”  


A frase é de Agostinho da Silva, talvez o nosso único filósofo da liberdade, muito tido em certas elites como uma personalidade exótica, algo fora do baralho politicamente correto, mas que é profundamente enquadrável numa portugalidade autêntica, remota, própria da nossa vertente cultural pré-renascentista e pré-inquisitorial, associável a um otimismo prático, vivencial, aventureiro, inovador, pouco ou nada preocupado com a “galinha da vizinha”, e menos ainda com o medo, físico, religioso ou reverencial. Agostinho é talvez o único depositário contemporâneo dessas velhas qualidades pátrias, e que ainda assim, 42 anos passados sobre a revolução de Abril, continuam raras na massa crítica da sociedade portuguesa. Raras, sim, e com essa agravante tão penalizadora de uma mudança estrutural que foi a saída recente de meio milhão de jovens quadros do país, já formados pelas escolas que a democracia construiu, perante a voluntária passividade de um poder inculto e subserviente, nefastamente inscrito na triste tradição reacionária.

A oportunidade que se perdeu levará agora algum tempo a refazer, e por isso será sempre importante relevar a densa e sábia rebeldia de Agostinho da Silva, que fazia gala em não ter bilhete de identidade nem número de contribuinte. A cidadania estava-lhe inscrita na massa do sangue. A qualidade antes do número, sempre.

Escreve à terça-feira 


A alma lavada


“Morre menos gente de cancro ou de coração do que de não saber para que vive; e a velhice, no sentido de caducidade, de que tantos se vão, tem por origem exatamente isto: o cansaço de se não saber para que se está a viver.”  


A frase é de Agostinho da Silva, talvez o nosso único filósofo da liberdade, muito tido em certas elites como uma personalidade exótica, algo fora do baralho politicamente correto, mas que é profundamente enquadrável numa portugalidade autêntica, remota, própria da nossa vertente cultural pré-renascentista e pré-inquisitorial, associável a um otimismo prático, vivencial, aventureiro, inovador, pouco ou nada preocupado com a “galinha da vizinha”, e menos ainda com o medo, físico, religioso ou reverencial. Agostinho é talvez o único depositário contemporâneo dessas velhas qualidades pátrias, e que ainda assim, 42 anos passados sobre a revolução de Abril, continuam raras na massa crítica da sociedade portuguesa. Raras, sim, e com essa agravante tão penalizadora de uma mudança estrutural que foi a saída recente de meio milhão de jovens quadros do país, já formados pelas escolas que a democracia construiu, perante a voluntária passividade de um poder inculto e subserviente, nefastamente inscrito na triste tradição reacionária.

A oportunidade que se perdeu levará agora algum tempo a refazer, e por isso será sempre importante relevar a densa e sábia rebeldia de Agostinho da Silva, que fazia gala em não ter bilhete de identidade nem número de contribuinte. A cidadania estava-lhe inscrita na massa do sangue. A qualidade antes do número, sempre.

Escreve à terça-feira