Brasil. Crise sem precedentes obriga portugueses a abandonar o país

Brasil. Crise sem precedentes obriga portugueses a abandonar o país


O Brasil vive atualmente uma das mais graves crises políticas da sua história e as consequências que se fazem sentir na economia são cada vez mais visíveis. O desemprego e a inflação continuam a aumentar e as empresas começam a redesenhar as estratégias para fazer face às dificuldades.


Ao i, Armando Abreu, presidente da Câmara Brasil-Portugal no Ceará (CBP-CE), explica que a situação tem piorado e que muitos portugueses já começaram a deixar o país. “Esta crise política é algo que nunca tínhamos visto antes. Está a provocar uma crise económica muito grande. A economia está completamente parada. Começaram os despedimentos e o número de desempregados continua a crescer muito”, avança, acrescentando: “Com a crise que se sentia na Europa, as pessoas procuravam o Brasil, mas agora isso já não se vê. Agora, os portugueses começam a voltar.”

Para o também CEO da empresa de energias renováveis Braselco, a situação tem ficado mais complexa em consequência “da falta de confiança por parte dos investidores”: “Este ano, a situação está mais complicada do que nunca. Há muito medo do que vem por aí. Há empresas a fechar ou a usar férias coletivas. Não há consumo, não há investimento.”

Economia deverá encolher De acordo com as projeções de vários analistas, divulgadas esta semana pelo banco central, a economia brasileira deverá encolher 3,73% este ano e a inflação deverá chegar aos 7,28%.

Já em 2015, a economia brasileira tinha encolhido 3,8% no produto interno bruto (PIB), registando o pior resultado dos últimos 25 anos.

A recessão económica também teve reflexos no aumento do desemprego e nas taxas de juro, e agora agrava-se com a crise política provocada pela situação da presidente brasileira, Dilma Rousseff, que se vê a braços com processos de destituição do cargo. E complica-se com as manifestações a multiplicarem-se pelas ruas.

A crise intensifica-se até porque os preços já tinham aumentado no início do ano. Em janeiro foi anunciado um novo agravamento da chamada cesta básica na maioria das cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, este conjunto de alimentos – que inclui carne, arroz, leite, farinha, batata, tomate, pão e fruta, entre outros – aumentou 12,6%, principalmente pelo elevado preço do tomate, da batata e da banana.

De acordo com uma análise do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconómicos (DIEESE), um trabalhador que viva naquela cidade precisava, no início deste ano, de trabalhar 112 horas e um minuto, em média, com base no ordenado mínimo nacional de 800 reais (183 euros), para comprar os alimentos da cesta básica. São quase três semanas de trabalho num mês. Segundo o DIEESE, o salário mínimo teria de ser quatro vezes superior ao atual para que uma família de quatro pessoas pudesse fazer face ao aumento no preço dos alimentos e a outros tipos de despesas.

Desemprego aumenta Os números do desemprego têm estado a ensombrar a economia deste país e as vidas de muitas famílias. O desemprego no Brasil tem aumentado de mês para mês e as previsões para este ano não são animadoras. De acordo com alguns analistas, o país está a caminhar no sentido inverso ao do resto do mundo. De acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que acompanha as contratações em mais de três mil municípios, o desemprego chegou aos 9%. E, existem projeções de que 2016 feche com uma taxa de 11%.

A verdade é que a degradação das condições do mercado de trabalho tem estado a acontecer com tanta rapidez que nem o mercado informal, destino da maioria das pessoas que perdem o emprego, consegue absorver a mão-de-obra. De acordo com Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, “há uma redução generalizada do emprego porque estamos vendo uma queda do emprego formal e do informal também. Isso quer dizer que até mesmo os pequenos negócios e empresas sem registo, que não pagam impostos, estão com dificuldades e a despedir trabalhadores. Consequentemente, há um aumento recorde do número de trabalhadores por conta própria, já que a pessoa precisa achar uma saída para seu sustento”.

Também Armando Abreu garante que a preocupação é cada vez maior: “Estamos todos a acompanhar a situação com muita preocupação. Se não há dinheiro, não há negócio.”

Jogos Olímpicos preocupam A quatro meses do grande evento, o que deveria ser uma fase apenas de pequenos retoques tem-se revelado uma altura de grandes problemas e incertezas. Algumas obras estão muito atrasadas, nomeadamente as da nova linha do metro, que ligará a Zona Sul do Rio à Barra da Tijuca – até porque o orçamento do Comité Rio 2016 acabou por ser drasticamente reduzido, com cortes nas mais variadas áreas, incluindo segurança, instalações temporárias ou transportes.

“Já estou cá há muitos anos e falo como brasileiro. Estamos todos com muito medo. Esta crise está a ter muitos efeitos também a nível internacional. Não estamos a conseguir controlar o zika, o governo prometeu limpar parte do lixo das águas mas ainda não o fez e as obras não estão todas prontas”, começa por explicar Armando Abreu, acrescentando que “é impossível as obras ficarem prontas a tempo, principalmente os acessos.”

Para Jules Boykoff, professor da Pacific University, nos EUA, a situação do Brasil é uma “tempestade perfeita”. “A imagem que o mundo tem do Brasil e do Rio [de Janeiro] neste momento é certamente desanimadora. Com a crise política, as finanças arruinadas e uma epidemia que levantou alertas internacionais, os Jogos Olímpicos chegam no pior momento possível. Chegam no meio de uma tempestade perfeita que pode levar a grandes protestos. Para a imagem dos anfitriões, pode ser um grande tiro no pé”, alerta. Uma visão partilhada por David Goldblatt, professor na Universidade de Bristol: “O mundo ainda não se deu conta de que o que está a acontecer no Brasil é um grande terramoto.”