Não quero mais pão, obrigada. Está bom assim, obrigada. Sim, estou bem servida, obrigada, está tudo ótimo. Não, não vou repetir. Está tudo bem, obrigada.
Mas olhe, desculpe incomodá-lo, será que… será que… pode vir aqui, por favor? Afinal preciso de mais uma coisa. Pode trazer-me um bocadinho de esperança? Meio copo, serve perfeitamente. Depois terei de ser eu a encher o resto. Sim, tenho a certeza que é tudo o que preciso. Pode levar as azeitonas. É só mesmo a esperança, por favor. É mesmo de esperança que estou a precisar. Sem mais nada, por favor. Só mesmo a esperança.
Olhe, desculpe, vai demorar? Desculpe a impaciência, sei que tenho outras pessoas à minha frente, mas estou mesmo, mesmo ansiosa pela esperança que me prometeu. Preciso tanto dela. Perdi o apetite para o resto. Leve tudo, leve tudo. Leve a toalha também. Só quero mesmo a esperança. Tenho a certeza de que, com a esperança, ficarei bem. Ficarei excelente. Ficarei em forma. Não precisarei de mais nada. Pergunte aos senhores, por favor, se me pode servir a mim em primeiro lugar? Eu sei que não pode, mas pergunte. Pode ser que se comovam. Que entendam. Que sintam compaixão. Pode ser até que se lembrem que também já estiveram sedentos dela. Pode ser até que também a queiram. Que precisem dela e nem se lembrem. Que precisem de esperança, mais do que eu, e nem se lembrem.
Desculpe, pode chegar aqui outra vez, por favor? Lamento mesmo estar a incomodá-lo. Eu sei que estou a abusar, sou certamente a cliente mais chata do dia. Lamento muito se o importuno, mas se o senhor soubesse o quanto preciso dessa esperança… Bolas para esta esperança que acaba assim, de um dia para o outro, sem avisar e nos momentos mais inconvenientes! E quando acaba, fico assim como vê, aflita, sem rumo, desorientada e a precisar dela com urgência!
Pareço uma agarrada a falar? Tem razão! Pareço mesmo, porque se não tiver esperança, confesso, sinto-me a ressacar.
A esperança é a impulsionadora, é a máquina que faz isto funcionar, a esperança é a adrenalina e a calma, é a chama que não se pode apagar porque, quando se extingue, não há corpo, não há alma, não há nada que se possa suportar. Os meus olhos brilham quando falo de esperança? Obrigada, obrigada. Acho que me encho de esperança só por falar dela.
Ufa, obrigada por me ouvir. Sei que não lhe pagam para isso. Estou mais calma, obrigada. Só de falar, fiquei mais esperançosa. Fiquei mais cheia. Sim, pode ir lá servir as outras pessoas, que me parecem todas apressadas. Aceita uma sugestão minha? Perdoe-me a lata, já a minha mãe diz que falo demais e que me meto em assuntos que não me dizem respeito… mas adiante, aceita a sugestão? Obrigada. Pergunte por favor àqueles senhores ali, que me parecem tão zangados, que estão tão sérios, se não querem que lhes sirva um bocadinho de esperança. Olhe ali, aquele senhor ali, que coloca a mão na testa e sopra baixinho, impaciente e chateado, como se o mundo lhe devesse as horas extraordinárias que faz por cá. Quem me dera que ele soubesse que todas as horas extraordinárias que passa cá não têm preço. Que ele é que deve ao mundo a oportunidade de as viver. Que é ele quem as deve e que o mundo apenas lhe cobra que seja feliz. E se ele não aceitar a sua sugestão? É porque precisa mesmo da esperança. Quando não a conseguimos ver e ressacamos por ela, como está a acontecer hoje comigo, é porque, de facto, estamos desesperados.
Mas quando emanamos desespero, angústia e não nos passa sequer pela cabeça que o que precisamos é de um bocadinho de esperança? Bem, aí é porque estamos completamente desligados. Desconectados. Mortos em vida.
Afinal, meu amável senhor, podemos encher-nos de comida, podemos encher–nos de dinheiro, podemos ocupar todos os espaços vazios da nossa mente e do nosso corpo com tudo aquilo que encontrarmos, mas se não alimentarmos a nossa alma, com um bocadinho de esperança, ficaremos eternamente insatisfeitos. Tudo é dispensável. Podemos viver sem nada. Mas não podemos viver sem esperança.
Muito obrigada por me ter ouvido. O senhor foi a minha esperança. Acho que estou bem assim. Por hoje, estou bem assim. Posso pedir-lhe um último favor? Guarde a esperança que me iria trazer. Posso precisar dela amanhã.
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Escreve à quinta-feira