Roxo


Por razões estritas da minha vida, com tristes momentos vividos na efeméride, para mim a Páscoa nunca foi uma quadra propriamente festiva. 


Por outro lado, nunca fui tocado pelo sentimento religioso da festividade, pelo seu lado simbólico, que nos faz crer na ressurreição após a morte em sacrifício. O simples facto da morte de Cristo, nas circunstâncias violentíssimas em que terá ocorrido, já tolhia o meu olhar impressionado de criança, muito mais recetivo à quadra natalícia, essa sim, toda voltada para a vida e para o seu encanto. A Páscoa é o reverso, é roxa, escurecida na luz, na expressão, como terá sido enorme o peso da cruz em cima de um homem brutalmente flagelado e que se arrastou até à morte ante uma turba em festa. A par das magníficas cantatas solenes do barroco musical, existem Caravaggio e Greco, densas e variadas emoções estéticas, literárias, sem dúvida que sim, mas a dominante é-me triste e inconformada porque não creio numa vida que se fundamenta na metáfora da ressurreição.

 Todavia, continuo incerto como sempre. Acabo de percorrer nestes últimos dias a minha filmografia caseira dos passos de Cristo. Pasolini continua a ser uma emoção muito bonita, Godard um delírio forte e inconsequente, mas, revendo-os, eis que estou agora mais próximo de Scorcese, ainda que esta obra não seja das suas mais conseguidas. É curioso verificar que não interiorizava a mesma visão há dez anos atrás, e muito menos há 20. Sinto talvez mais doçura, menos certezas e mais humanidade no espetro, com tudo o que isso possa implicar nos extremos. Mas sem ressurreição. Só passagem.

Escreve à terça-feira

Roxo


Por razões estritas da minha vida, com tristes momentos vividos na efeméride, para mim a Páscoa nunca foi uma quadra propriamente festiva. 


Por outro lado, nunca fui tocado pelo sentimento religioso da festividade, pelo seu lado simbólico, que nos faz crer na ressurreição após a morte em sacrifício. O simples facto da morte de Cristo, nas circunstâncias violentíssimas em que terá ocorrido, já tolhia o meu olhar impressionado de criança, muito mais recetivo à quadra natalícia, essa sim, toda voltada para a vida e para o seu encanto. A Páscoa é o reverso, é roxa, escurecida na luz, na expressão, como terá sido enorme o peso da cruz em cima de um homem brutalmente flagelado e que se arrastou até à morte ante uma turba em festa. A par das magníficas cantatas solenes do barroco musical, existem Caravaggio e Greco, densas e variadas emoções estéticas, literárias, sem dúvida que sim, mas a dominante é-me triste e inconformada porque não creio numa vida que se fundamenta na metáfora da ressurreição.

 Todavia, continuo incerto como sempre. Acabo de percorrer nestes últimos dias a minha filmografia caseira dos passos de Cristo. Pasolini continua a ser uma emoção muito bonita, Godard um delírio forte e inconsequente, mas, revendo-os, eis que estou agora mais próximo de Scorcese, ainda que esta obra não seja das suas mais conseguidas. É curioso verificar que não interiorizava a mesma visão há dez anos atrás, e muito menos há 20. Sinto talvez mais doçura, menos certezas e mais humanidade no espetro, com tudo o que isso possa implicar nos extremos. Mas sem ressurreição. Só passagem.

Escreve à terça-feira