Os descarados


Apresentar e aprovar um Orçamento é um ato normal dos governos e quadros parlamentares normais. Só que António Costa e os seus acólitos da esquerda radical querem fazer-nos acreditar no contrário: apresentar e aprovar um OE é um ato excecional de um governo heroico. Tenham dó


Atiraram foguetes em São Bento com a aprovação do OE. António Costa não escondeu a felicidade que lhe ia na alma: abraçou Centeno, apertou a mão a Catarina e Jerónimo, deu uns “fives” aos camaradas do PS. Houve uma grande festa nas esquerdas, que correram a glorificar a “solidez” da coligação e arte da negociação do primeiro-ministro. Calma, rapaziada: apresentar um Orçamento é coisa que todos os governos têm de fazer, às vezes mais do que uma vez ao ano – e este, muito provavelmente, não será exceção.

Mantenhamos as coisas em perspetiva: apresentar e aprovar um Orçamento é um ato normal dos governos e quadros parlamentares normais. Só que António Costa e os seus acólitos da esquerda radical querem fazer-nos acreditar no contrário: apresentar e aprovar um OE é um ato excecional de um governo heroico. Tenham dó.

Porque é que isto acontece? Em primeiro lugar, por autolimitação executiva. O governo está muito constrangido na sua margem de manobra política por via dos frágeis acordos com PCP e BE. Costa lidera um governo de serviços mínimos. Quando se faz uma festa por passar um OE, isso mostra como até o exercício da normalidade passou a ser um desafio para o PS. Tendo a consciência da sua condição de paralisia política, Costa criou o efeito de excecionalidade do banal. Quer transmitir a ideia de que o governo é um sucesso só pelo simples facto de existir. Em segundo lugar, há uma questão de perceção política que garanta a sobrevivência da sua solução de (des)governo. A medida do seu êxito não serão os números do PIB, nem do emprego, muito menos da consolidação orçamental. Porque a sua política é um desastre e porque está manietado na capacidade de governar, Costa tem de criar a perceção do êxito na vulgaridade. [Já agora, quem pedia um contributo do PSD nesta matéria deveria lembrar o velho ditado popular: o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Este OE não tem remédio e o PSD fez bem em deixar o seu a seu dono.] E Costa tem ainda de fazer outra coisa: criar um bode expiatório para o falhanço que está para vir, com os primeiros dados da execução orçamental, com a apresentação do PEC, do plano de reformas e do Orçamento para 2017.

Só assim se entendem os cínicos apelos à participação do PSD nas soluções que o seu governo diz ser capaz de prover de forma autossuficiente.

Mas alguém com os olhos abertos acredita que Costa está interessado nos contributos do PSD? Não está. Nunca esteve. Recordemos uma frase do último 18 de setembro, a meia dúzia de dias das eleições, quando perguntaram ao secretário–geral do PS o que faria se perdesse as eleições, cenário que veio a concretizar-se: “É evidente que não viabilizaremos [o Orçamento do Estado], nem há acordo possível entre o PS e a coligação de direita.” A doutrina dos chumbos preemptivos tem a assinatura de António Costa. Também é dele a autoria da fátua socialista sobre as propostas da coligação PSD/CDS, como se tudo o que estes partidos representassem fosse imoral e inaceitável para os padrões de pureza programática do PS. Como é que Costa quer agora tornar possível o que o mesmo Costa decretou como uma impossibilidade?

Numa coisa estamos de acordo: o PSD e o PS apresentam modelos de desenvolvimento opostos. O PSD não acredita na solução governamental e considera-a perigosa, especialmente para os mais desfavorecidos.

Se Costa tivesse um pingo de vontade de cooperar, teria abordado com seriedade o canal negocial aberto com o PSD e o CDS no período pós-eleitoral. Ou teria conversado seriamente sobre a reforma da Segurança Social avançada por Passos Coelho. Mas não. Esteve-se nas tintas para o interesse nacional e, em vez de um governo reformista com uma base politicamente alargada, foi a correr para os braços da extrema-esquerda. A pior solução para o país, mas a única que o coroava primeiro-ministro.

Tudo isto é pouco sério. Tudo isto é demasiado descarado. Tanta necessidade de trazer o PSD para o campo da negociação, uma negociação que Costa sempre recusou na oposição, justifica-se com a necessidade de a narrativa socialista encontrar um culpado para os falhanços que estão para vir. Se Costa, em campanha, teve a lata de dizer que foi o PSD quem chamou a troika em 2011, não vai morder a língua quando tiver de atirar para cima das costas de Pedro Passos Coelho a responsabilidade pelo desconchavar da sua frente de esquerda e pelo fiasco da sua política económica. Costa quer falar de reformas? O PSD fala. Basta ir ao programa eleitoral e estão lá muitas propostas que até têm o apoio maioritário dos portugueses. Quais são as propostas do PS? É que Costa fala, fala, mas ainda ninguém as viu.

Talvez já seja tempo de o PS se libertar do casulo de cinismo em que ficou fechado. O país é muito mais do que as jogatanas político-partidárias de António Costa.


Os descarados


Apresentar e aprovar um Orçamento é um ato normal dos governos e quadros parlamentares normais. Só que António Costa e os seus acólitos da esquerda radical querem fazer-nos acreditar no contrário: apresentar e aprovar um OE é um ato excecional de um governo heroico. Tenham dó


Atiraram foguetes em São Bento com a aprovação do OE. António Costa não escondeu a felicidade que lhe ia na alma: abraçou Centeno, apertou a mão a Catarina e Jerónimo, deu uns “fives” aos camaradas do PS. Houve uma grande festa nas esquerdas, que correram a glorificar a “solidez” da coligação e arte da negociação do primeiro-ministro. Calma, rapaziada: apresentar um Orçamento é coisa que todos os governos têm de fazer, às vezes mais do que uma vez ao ano – e este, muito provavelmente, não será exceção.

Mantenhamos as coisas em perspetiva: apresentar e aprovar um Orçamento é um ato normal dos governos e quadros parlamentares normais. Só que António Costa e os seus acólitos da esquerda radical querem fazer-nos acreditar no contrário: apresentar e aprovar um OE é um ato excecional de um governo heroico. Tenham dó.

Porque é que isto acontece? Em primeiro lugar, por autolimitação executiva. O governo está muito constrangido na sua margem de manobra política por via dos frágeis acordos com PCP e BE. Costa lidera um governo de serviços mínimos. Quando se faz uma festa por passar um OE, isso mostra como até o exercício da normalidade passou a ser um desafio para o PS. Tendo a consciência da sua condição de paralisia política, Costa criou o efeito de excecionalidade do banal. Quer transmitir a ideia de que o governo é um sucesso só pelo simples facto de existir. Em segundo lugar, há uma questão de perceção política que garanta a sobrevivência da sua solução de (des)governo. A medida do seu êxito não serão os números do PIB, nem do emprego, muito menos da consolidação orçamental. Porque a sua política é um desastre e porque está manietado na capacidade de governar, Costa tem de criar a perceção do êxito na vulgaridade. [Já agora, quem pedia um contributo do PSD nesta matéria deveria lembrar o velho ditado popular: o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Este OE não tem remédio e o PSD fez bem em deixar o seu a seu dono.] E Costa tem ainda de fazer outra coisa: criar um bode expiatório para o falhanço que está para vir, com os primeiros dados da execução orçamental, com a apresentação do PEC, do plano de reformas e do Orçamento para 2017.

Só assim se entendem os cínicos apelos à participação do PSD nas soluções que o seu governo diz ser capaz de prover de forma autossuficiente.

Mas alguém com os olhos abertos acredita que Costa está interessado nos contributos do PSD? Não está. Nunca esteve. Recordemos uma frase do último 18 de setembro, a meia dúzia de dias das eleições, quando perguntaram ao secretário–geral do PS o que faria se perdesse as eleições, cenário que veio a concretizar-se: “É evidente que não viabilizaremos [o Orçamento do Estado], nem há acordo possível entre o PS e a coligação de direita.” A doutrina dos chumbos preemptivos tem a assinatura de António Costa. Também é dele a autoria da fátua socialista sobre as propostas da coligação PSD/CDS, como se tudo o que estes partidos representassem fosse imoral e inaceitável para os padrões de pureza programática do PS. Como é que Costa quer agora tornar possível o que o mesmo Costa decretou como uma impossibilidade?

Numa coisa estamos de acordo: o PSD e o PS apresentam modelos de desenvolvimento opostos. O PSD não acredita na solução governamental e considera-a perigosa, especialmente para os mais desfavorecidos.

Se Costa tivesse um pingo de vontade de cooperar, teria abordado com seriedade o canal negocial aberto com o PSD e o CDS no período pós-eleitoral. Ou teria conversado seriamente sobre a reforma da Segurança Social avançada por Passos Coelho. Mas não. Esteve-se nas tintas para o interesse nacional e, em vez de um governo reformista com uma base politicamente alargada, foi a correr para os braços da extrema-esquerda. A pior solução para o país, mas a única que o coroava primeiro-ministro.

Tudo isto é pouco sério. Tudo isto é demasiado descarado. Tanta necessidade de trazer o PSD para o campo da negociação, uma negociação que Costa sempre recusou na oposição, justifica-se com a necessidade de a narrativa socialista encontrar um culpado para os falhanços que estão para vir. Se Costa, em campanha, teve a lata de dizer que foi o PSD quem chamou a troika em 2011, não vai morder a língua quando tiver de atirar para cima das costas de Pedro Passos Coelho a responsabilidade pelo desconchavar da sua frente de esquerda e pelo fiasco da sua política económica. Costa quer falar de reformas? O PSD fala. Basta ir ao programa eleitoral e estão lá muitas propostas que até têm o apoio maioritário dos portugueses. Quais são as propostas do PS? É que Costa fala, fala, mas ainda ninguém as viu.

Talvez já seja tempo de o PS se libertar do casulo de cinismo em que ficou fechado. O país é muito mais do que as jogatanas político-partidárias de António Costa.